Meu Diário
06/07/2016 01h28
1°-06-1968 - Concurso de Miss Estudante do Vale do Paraíba

1° de junho de 1968 (16 anos) - Sílvia Mota - Concurso Miss Estudante Vale do Paraíba.

Quando Miguel Castro, um grande amigo da família, foi até a minha casa convidar-me (para o papai, claro!) para participar do concurso, eu realizava um trabalho de biologia, com uns desenhos bonitos e nessa tarefa continuei. A visita foi muito formal e não me permitiram participar da conversa, mas, mamãe corria para lá e para cá, contando-me as reações do papai. Ao final, disse-me que permitira e até sugerira a cor do vestido - rosa choque - pois, a partir do seu pensamento, combinaria com a cor da minha pele. Ao final, vestiram-me de dourado... Bom dizer, que papai somente permitiu minha candidatura, porque não haveria desfile de maiô - as concorrentes eram muito jovens... kkkkk

À época, meu irmãozinho Salvador Augusto emagrecera muito e começara a mancar da perna direita, mas, nada sabíamos ainda a respeito do câncer. Por tal motivo, participei do concurso. Foi muito rápida a evolução da sua doença. Triste demais. Lembro-me bem.

O vestido foi confeccionado por Dna. Eunice, todo em fio metálico dourado, com apliques de flores douradas em paetês e canutilhos importados. Mamãe assim o idealizou, para que no momento em que entrasse na passarela, sob as luzes dos holofotes, reluzisse como uma flor dourada! Os brincos, criados com inspiração nessas flores, luvas de cetim preto com sapatos de gorgurão na mesma cor e meias finas douradas (um luxo, para a época!) completavam o look da mocinha de Piquete, que tremia sem parar. Afinal, era o meu primeiro desfile pelas passarelas! Tudo lindo, pois Mamãe tinha muito bom gosto, nesse sentido. Não obstante, para contrariar os seus planos, por motivos que ninguém sabe até hoje, fui a única candidata a desfilar sem música e sem as luzes dos holofotes. Também, enquanto desfilava, não leram a síntese das minhas habilidades (ou qualidades), como ocorreu com as demais candidatas.

Vivíamos a era dos transplantes de órgãos e, no momento das entrevistas com as candidatas, a Miss Estudante de Guaratinguetá foi perguntada a respeito do primeiro transplante de coração realizado no Brasil pelo Dr. Zerbini, em 25 de maio de 1968. A mim, perguntaram sobre minha experiência com os esportes, o que aborreceu muito os meus pais, pois ainda que muito jovem, reunia talento para questionamentos mais elaborados.

Fiquei em segundo lugar.

Meu inconformado pai retirou-me do baile, como se fosse a Gata Borralheira, mas, não sem antes pedir ao Tio Carlinhos que dançasse comigo pela última vez, no que foi prontamente atendido. Meu tio, de forma garbosa, exibiu-me o mais que pode, principalmente, frente à mesa dos jurados.

Dias depois, encontrei-me com papai, na Praça da Bandeira. Falava em voz alta aos amigos aposentados, que nunca mais sua filha participaria de concursos de beleza:

- As ruas de Piquete, daqui para a frente, serão a sua passarela.

E, assim foi.

*************************************************

Observação interessante:

Piquetenses participantes do concurso: Sílvia Mota, Lígia e Sidneia Pereira.

À época, existia uma frase de caminhão a passeio pelas estradas de São Paulo: "Se moça bonita fosse flor, Piquete seria um jardim"... rsrsrs...

As Misses vencedoras:

Sílvia Mota (Segundo Lugar, vestida de dourado) e Lígia (Primeiro Lugar, de azul), ambas de Piquete. A candidata que ficou em Terceiro Lugar (à direita, também de azul), era de Guaratinguetá.


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06/07/2016 01h15
12-05-1968 - Eu e "A Escrava do Senhor", de Mariinha Mota

12 de maio de 1968 - Comemoração do Dia das Mães - Entrando no palco para declamar o poema "A escrava do senhor", autoria da minha mãe Mariinha Mota. — em Clube Elefante Branco - Piquete - São Paulo - Brasil.

1968 - Aos 16 anos (marcação da foto), no Dia das Mães - Ajoelhada, ao final da interpretação do poema "A escrava do Senhor", da autoria de Mariinha Mota - minha querida Mamãe. — em Clube Elefante Branco - Piquete - São Paulo - Brasil.

Declamei este poema num Concurso Arnolfo Azevedo. Foi escrito para que eu o declamasse. Depois, interpretei-o em Piquete, numa festa do Dia das Mães (foto abaixo). Observação: Com os poemas da mamãe, sempre arrebatei os primeiros lugares. Houve um concurso, no qual mamãe arrebatou 8 medalhas, entre essas, com o poema "Tudo passa", ganhou a medalha de ouro e com "Joana de Cusa" (o poema perdeu-se), a medalha de prata. Como intérpretes, ganhei o primeiro lugar, com "Joana de Cusa", e, Tio Carlinhos, o segundo lugar, com "Tudo passa". Invertemos as posições... rsrsrs... Dois poemas da mamãe empataram no terceiro lugar. Foi um show!!! Chamavam por Mariinha Mota e entregavam-lhe o prêmio. Mamãe voltava para a plateia, sob aplausos retumbantes... e era chamada novamente. Foi assim, até receber as 8 medalhas. Arrebatou TUDO!!! O concurso foi dela, somente! Consagração total! Nunca vi coisa mais linda! Papai só faltou explodir de orgulho! Lindo, lindo, lindo!!! Todos os declamadores dos seus poemas eram filhos de Piquete. Se não me engano, meu irmão Miguel Mota também participou desse concurso. Era menino, ainda.

Eis o poema referente à foto:

A ESCRAVA DO SENHOR

Quando João, o discípulo amado, anunciou
à Maria a prisão do Mestre, ela rogou
ao Senhor dos Senhores, toda em aflição,
que lhe poupasse o filho de seu coração.
Não era o seu Jesus, Divino Embaixador?
Não lhe anunciara o Anjo, com celeste ardor,
que ilustraria Ele o nome de seu povo
incutindo nas mentes sentimento novo?
Seria um nobre Rei, diferente, amoroso,
dando visão ao cego, curando o leproso.
À sepultura, Lázaro Ele arrancara em glória,
e a vida então lhe dera, em madrugada flórea...
Seu nome era lembrado em glorificação.
Todos lhe decantavam a predestinação.
E Maria confiou, ao Todo Poderoso,
preocupação e súplica em pranto copioso...

Veio dizer-lhe, entretanto, o discípulo João,
que o Messias já fora encarcerado então.
E Maria voltou com fervor à oração.
Implorou novamente o favor celestial.
Confiaria no Pai com fervor sem igual.
Desejava enfrentar, desassombradamente,
a situação. Até já lhe passara na mente,
procurar por alguém, alguma autoridade,
mas era muito frágil e cheia de humildade.
Certamente que Deus, de bondade infinita,
salvaria Seu Filho, para sua dita.

Mantinha-se Maria sempre vigilante.
Afastou-se de casa e ganhou, ofegante,
a rua, e da prisão ela se aproximou.
Muitas vezes, aos guardas, triste, ela implorou
o favor de um instante no cárcere entrar;
ver seu filho Jesus e um beijo lá lhe dar.
A noite já ia alta e ela ali ficava.
Entre a angústia e a confiança, a Virgem em dor velava...

Mais tarde, João voltou, contando-lhe em seguida,
que a causa de Jesus já se achava perdida,
pois pelos sacerdotes fora ele acusado.
O terrível Pilatos tinha até hesitado,
enviando o Bom Rabi ao Herodes infame,
sem que o povo judeu por justiça pedisse.
Maria, resoluta, abrigou-se num manto,
e saiu a orar, os olhos sempre em pranto.

Que terrível aflição a dessa Mãe Sublime!
Coração sofredor que em lágrimas se exprime!
Que fizera Seu Filho, para vir sofrer
as injúrias e o opróbrio, sem os merecer?
Mas, oh! Que sofrimento! Que horror! Que agonia!
Seu Jesus já envergava o fato de ironia,
tendo às mãos uma cana e à cabeça a coroa,
trabalhada em espinhos donde o sangue escoava...
Ela quis libertar-lhe a fronte dolorosa,
mas o Filho, sereno, enviou-lhe amorosa
resposta em Seu olhar, tão bom, resignado.
E Maria seguiu seu Filho idolatrado...

Relembrou nesse instante, a infância de Jesus,
aquela linda estrela que lançava a flux,
o sinal deslumbrante do Seu nascimento.
Registrado em seu íntimo ficara o evento.
A multidão parou... Num esforço supremo,
Pôncio Pilatos, juiz, usa um recurso extremo:
Convida a decidir a turba então loquaz,
entre Jesus divino e o torpe Barrabás.
E Maria sentiu a esmagadora afronta.
Em doloroso pranto viu-O tomar a cruz
e vergando sob ela o corpo de Jesus.
O Rabi caminhava, o dorso vergastado,
com furor sem igual, por um infeliz soldado.
Angustiada, lembrou-se, repentinamente,
do Patriarca Abraão que levara o inocente
Isaac até o altar do sacrifício, e então,
Jeová lhe falara em glorificação.
Certamente que Deus lhe escutaria a prece,
e na hora extrema um Anjo interviria.

No entanto, a Mãe Sublime, dolorosamente,
viu, entre dois ladrões, no madeiro inclemente,
Seu Filho ser pregado. Triste felonia!
O Pai não lhe escutara a prece da agonia...
Em grande desalento ouviu a voz do Filho,
recomendando a João o seu perene auxílio.
Registrou humilhada, o Verbo derradeiro...
Mas, quando já pendia inerte no madeiro
a cabeça sublime, força misteriosa
apossou-se da Virgem e ela ouviu, ditosa,
a saudação celeste, sublime e grandiosa.
Jesus era Seu Filho amado com fervor,
mas era o Mensageiro do Grande Senhor.
Compreendeu que possuía sonhos materiais.
Submissa, curvou-se às forças celestiais,
trazendo, ainda, lágrimas no olhar tristonho.
A Virgem reviveu sua vida qual num sonho.
Compreendeu afinal, a Justiça, a Vontade
do Pai sempre amoroso e cheio de Bondade.
Ajoelhando-se aos pés da cruz e do suplício,
Maria repetiu sem dor nem sacrifício:
“Eis aqui, meu Senhor, a Sua Humilde Escrava.
Cumpra-se sempre em mim, segundo a Sua Palavra!”

"Eu também, a exemplo de Maria, guardei minhas esperanças até o fim. Quando cheguei à conclusão de que nada mais poderia fazer pelo meu filhinho, curvei-me à Vontade do Todo Poderoso.
Restam-me, agora, as lágrimas de saudades que não sei reprimir porque, infelizmente, estou muito aquém da grandeza espiritual
Daquela que foi a Mãe de Nosso Salvador.

Mariinha Mota"

O emocionante comentário aqui exposto, foi grafado, por minha Mãe, ao final do poema, também escrito à mão.


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06/07/2016 01h10
12-11-1967 - Eu e "A Caridade e a Justiça", de Guerra Junqueiro

E a "faxina" pelos papeis acumulados, revela-me outras surpresas.

Esse diploma é do mesmo ano, três meses depois - 12 de novembro de 1967. E, continuamos no drama. Poema de difícil interpretação! Depois desse poema, somente declamei poemas da minha mãe Mariinha Mota.
***************************
A CARIDADE E A JUSTIÇA
Guerra Junqueiro
***************************
No topo do Calvário, erguia-se uma cruz,
E pregado sobre ela o corpo de Jesus.
Noite sinistra e má, nuvens esverdeadas
corriam pelo céu como grande manada de búfalos,
E a lua ensanguentada e fria,
Triste como um solução imenso de Maria
lançava sobre a paz das coisas naturais
a merencória luz, cheia de brancos ais.
Um silêncio pesado amortalhava o mundo
Unicamente ao longe o velho mar profundo
Decantava, chorando os salmos da agonia
E, Jesus, cheio de dor, quase a expirar, sorria.
Os abutres cruéis, pairavam lentamente
A farejar-lhe o corpo às vezes de repente,
uma nuvem toldava a face do luar,
um clarão de gangrena, estranho e singular,
lançava sobre a cruz, uns tons esverdeados
crocitavam ao longe, os corvos esfaimados
Mas passado um instante, a lua branca e pura,
Irrompia, outra vez , da grande névoa escura
]e, inundavam-se, assim, as chagas de Jesus
nas pulverizações balsâmicas da luz.
No momento em que havia grande escuridão,
Cristo viu alguém aproximar-se e então
olhou e viu surgir do horror das trevas mudas,
o covarde perfil sacrílego de Judas.
O traidor, contemplando o olhar do Nazareno
Tão cheio de desdém, tão sublime, tão sereno,
convulso de terror, fugiu.
Surgiu-lhe, neste instante,
frente a frente, um vulto de gigante,
que bradou: traidor é chegado o teu castigo,
o traidor teve medo e balbuciou, amigo:
Quem és tu, que queres tu de mim, por quem esperas
O remorso, um caçador de feras,
Eu ando há mais de seis mil anos,
a caçar pelo mundo, as almas dos tiranos
Do traidor, do vil, do celerado
e quando as prender, tenho-as encarcerado
na enormíssima jaula atroz a expiação
e quando entro na imensa confusão
de tigres, de leões, de abutres, de chacais,
de rugidos febris e de gritos bestiais
fica tudo a tremer, quieto de horror e espanto
Caim baixa a pupila e vai deitar-se a um canto.
E, quando enfim, alguns dos monstros quer lutar,
Azorrago-o com a luz febril do meu olhar,
Dando-lhe um pontapé como num cão mendigo
Judas, já sabes quem sou, andas comigo.
Como um preso que quer comprar um carcereiro,
Judas tira do manto a bolsa do dinheiro
Dizendo: aqui tens, deixa-me partir
O gigante fitou-o e começou a rir.
Houve um grande silêncio, o infame Iscariote,
Como um negro que vê a ponte de um chicote
Tremeu!
Finalmente, o vulto respondeu:
Judas, podes ficar, esse dinheiro é teu,
O ouro da traição, pertence ao traidor,
Como o riso à inocência e como o aroma à flor,
Este ouro será para ti o eterno pesadelo,
Guarda-o, guarda-o bem que quero derretê-lo
E, lançar-to, depois, cáustico, vivo, ardente,
Lançar-to gota a gota, inexoravelmente.
Em cima da consciência, a pútrida, a execrável
Com ele hei de fundir a algema inquebrantável
A grilheta que a tua esquálida memória, trará,
arrastará pelas galés da história
Durante a eternidade, ilimitada e calma
Esta bolsa que aí tens, será o cancro de tua alma,
Já se agarrou a ti, ligou-se ao criminoso,
como a lepra nojenta ao corpo do leproso
como o imã ao ferro e o verme à podridão,
não conseguirás jamais lançá-la da tua mão.
És traidor, hipócrita, assassino, perjuro
Tua alma lançada em cima de um monturo
É o que há de mais vil,
Desde o ventre do sapo, à barba do réptil.
Sai da existência, diz à sombra que te açoite,
Verme procura a paz, monstro procura a noite.
Que sol não veja mais um único momento,
O teu olhar oblíquo e o teu perfil nojento.
Esse crime, bandido, é um crime que profana
Todas as grandes leis da consciência humana,
todas as grandes leis da vida universal.
Esconde-te na morte como um chacal.
Adeus! Causas-me nojo e asco,
Deixe dentro de ti Judas,
O teu carrasco.
Adeus, já brilha o astro matutino
E eu, caçador feroz cumprindo o meu destino,
Continuarei a caçar os javalis nos matos
E dito isto, partiu a procurar Pilatos.
Vinha rompendo ao longe a fresca madrugada,
Judas ficando só, meteu-se pela estrada,
Caminhando ligeiro, impávido e terrível,
Comum um homem que leva um fim imprescritível.
De repente estacou, uma ideia qualquer heroica e sobranceira,
Havia uma figueira
Projetando na estrada a larga sombra escura,
Judas desenrolando a corda da cintura,
Subi, atou-a a um ramo vigoroso,
Neste instante o seu olhar odioso,
Tinha um brilha adamantino,
Reto como um juiz e forte como um destino.
Neste instante ecoou através do negro céu profundo,
A voz celestial de Jesus moribundo
Que lhe disse: traidor, concedo-te o perdão,
Além de meu carrasco, és ainda meu irmão
Pregaste-me na Cruz, és o mesmo, fica em paz,
Eu costumo esquecer o mal que alguém me faz.
Esses golpes cruéis, essas horríveis dores
As chagas para mim são outras tantas flores,
Não te cause espanto o meu atroz suplício,
Eu tenho como bem vês até prazer no sacrifício.
Judas contemplou ao longe, o cerro do Calvário
E erguendo-se viril, soberbo e extraordinário
Exclamou: não aceito a tua compaixão,
A justiça dos bons, consiste no perdão,
Um justo não perdoa, a justiça é implacável,
A minha ação é infame e miserável.
Vendi-te aos fariseus
Pois bem sendo eu um monstro e tu um Deus,
Vais ver como este monstro o pobre Cristo nu,
É mais forte do que Deus
E mais justo do que tu
À tua Justiça humanitária e doce,
Eu prefiro o dever terrível,
E enforcou-se!


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06/07/2016 01h06
23-09-1967 - Eu e "Felicidade é coisa que não tem", de Judas Isgorogota

Assim que me tornei adolescente, meu corpo desenvolveu-se rapidamente. Então, nos concursos de declamação, era sempre inscrita numa série acima da minha, porque não combinava com minha altura e desenvolvimento físico, participar das séries mais jovens. Resultado - concorria com minha irmã e, dessa forma, nem sonhava com o primeiro lugar, porque Auxiliadora Vieira sempre foi um fenômeno na arte da declamação! Um espetáculo indizível! Quem a assistiu em "A morte da águia", de Luís Guimarães Júnior ou em "Vozes d'Africa", de Castro Alves, confirmará o que estou a dizer. Mas, um dia... mamãe Mariinha Mota apresentou-me ao poema "Felicidade é coisa que não tem", de Judas Isgorogota. Pronto! Veio à tona o meu dom para interpretar dramas (e de lá para cá, permaneço dramática... rsrsrs...). Com esse poema, a minha ÚNICA CHANCE de alcançar um primeiro lugar!!! Ufa! Estou um pouco em dúvida, se concorri com minha irmã, nesse certame... rsrsrs... Digo isso, pela data - 23 de setembro de 1967, quando Zizi (nós a chamamos assim) estava em São Paulo, cursando um pré-vestibular para Medicina.
Segue o belo poema, com o qual fiz muita gente chorar, em particular o Diretor do Colégio Estadual Guimarães Rosa, à época Prof. Roberto Riccio. Sua filhinha era doente e ele não conseguiu segurar as lágrimas, quando interpretei esse poema no Colégio, certa vez. Disso, nunca me esqueci e não me esquecerei...
***********************************
Felicidade é coisa que não tem
Judas Isgorogota
***********************************
Era órfã e infeliz. Tinha o pesar profundo
De ser só, de não ter, como as outras meninas,
O carinho, a atenção, o desvelo dos pais.
Sofria por saber que, sozinha no mundo,
Ela, que havia tido a mais negra das sinas,
Deste mundo de dor nada esperava mais…
Mas, ouvindo, por fim, a fervorosa prece
Que altas horas da noite entre prantos brotava
Daquele ingênuo coração,
O Senhor a atendeu. E eis que um dia aparece
Um casal que de há muito desejava
Uma menina assim, para sua afeição.
E ela foi a sorrir, ela que não sorria…
A mansão do casal era toda cercada
De um mimoso jardim.
Seus vestidos agora eram lindos. Dir-se-ia
Que a andrajosa infeliz se transmudara em fada
E que a sua desdita, enfim, tivera um fim…
Não tivera, porém. Há três anos
Que ela era na escola a estudante pior.
Entanto, ela fazia esforços sobre-humanos
Para ao menos dizer uma frase de cor…
A memória, porém, só lhe causava danos
E era aquilo, afinal, sua mágoa maior…
Uma noite, o casal lhe disse: "Temos pena
De lembrar que você já não é tão pequena,
Que precisa estudar…
Pois, se perder este ano, é coisa resolvida,
Você vai passar a sua vida
Na copa, a trabalhar."
Aquela repreensão como um punhal lhe doía.
Tendo a alma a afogar-se em pranto, noite e dia
Aos livros a sem-sorte inda mais se aplicou.
Não, não queria ser uma simples copeira,
Ela que, pobrezinha, a sua infância inteira
Entre angústias passou…
Dezembro. A criançada. Antegozando as férias,
Mui longe de pensar nessas coisas tão sérias
Que a vida nos impõe quando a idade já vem,
Corre aos exames, rindo a criançada…
E no meio daquela revoada
Com um riso triste e bom, a órfão sorri também…
A escola é nesse dia um ninho delicioso,
Forrado de jasmins, de palmas e florões.
E a voz do mestre é a voz de um Todo-poderoso
Que as almas infantis enche de comoções…
Chega a vez da orfãzinha. É agora a vez terceira
Que se senta naquela humílima cadeira
Tal como se sentasse em um banco de réu…
Fala o mestre o seu nome, ao que ela diz: "Presente!"
Mas, o corpo era só que estava ali…realmente,
A sua alma vagava, entre os anjos, no céu…
O mestre a conhecia: era uma retardada
Mental, um caso à parte, e mister se fazia
Que com amor procedesse à mais leve arguição.
Dentre todas talvez fosse a mais aplicada…
Mas a ideia faltava…o cérebro dormia…
E a memória vivia em profunda inação.
-"Minha filha, você sabe perfeitamente
O que é "substantivo": a palavra que indica
Um animal, um ente,
Uma coisa ou pessoa, ou mesmo uma ilusão…
Por exemplo, você, o seu nome, "Lilica";
"Palácio", "Deus", "Amor", "Jornal", "Antônio"…
"Demônio" é um ser também, muito embora "Demônio"
Somente exista na imaginação…"
-"Muito bem, - prosseguiu o mestre. Estou contente.
Agora, diga o que é "substantivo abstrato"…
Diga…Lembre-se bem…coisa mais fácil não há…
Substantivo abstrato…uma coisa em que a gente
Ouve sempre falar mas não viu, de fato,
Nunca viu nem verá…"
-"Vamos… Só um exemplo, e eu fico satisfeito…
Substantivo abstrato…um entre sobre-humano,
Um ser a cujo canto alma alguma resiste,
Mas que não passa de ilusão…
Um sentimento bom que vive em nosso peito…
Uma coisa que o mundo inteiro diz que existe
E entretanto jamais a tivemos à mão…"
Nesse instante, uma luz brilhou nos olhos pequeninos
Da orfãzinha infeliz; e eis que, rasgando o denso
Nevoeiro, a ideia acorda em lampejos divinos,
A memória reluz como uma estranha vela;
Inicia a razão sua marcha triunfal,
E o cérebro, por fim, despertando daquela
Sonolência fatal,
Começa a funcionar com um dínamo imenso!
-"Mestre…mestre…eu já sei!" – grita a coitada como
Temendo que a razão se apagasse outra vez.
E aos brados, a chorar, num doloroso assomo,
Grita como uma douda
Que quisesse dizer a sua angústia toda
Naquele instante só de estranha lucidez!
- "Mestre, eu sei o que é! Se há uma coisa, em verdade,
Que o mundo inteiro diz que existe e que ninguém
Conseguiu ver jamais, nem a sentiu também,
Essa coisa só pode ser "Felicidade"!
Felicidade é coisa que não tem"


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06/07/2016 01h00
13-11-1966 - Eu e "O Livro e a América", de Castro Alves

Encontrei mais um PRIMEIRO LUGAR, por aqui! - 13 de novembro de 1966.

Arrebatei o prêmio com "O Livro e a América", de Castro Alves. Nesse concurso, em outra faixa de idade, minha irmã Auxiliadora Vieira declamou "Vozes D'Africa" e mamãe Mariinha Mota participou na faixa adulto, sendo classificada em segundo lugar, embora aplaudida de pé por todos os presentes, com "Tragédia no Lar", também de Castro Alves. Mas, a vergonhosa injustiça, não é matéria para ser discutida aqui, neste momento.

Segue o poema que declamei:

************************************
O LIVRO E A AMÉRICA
Castro Alves
************************************
Talhado para as grandezas,
Pra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
— Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina
"Da minha eterna oficina...
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.
Dos oceanos em tropa
Um — traz-lhe as artes da Europa,
Outro — as bagas de Ceilão...
E os Andes petrificados,
Como braços levantados,
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada:
"Tudo marcha!... Ó grande Deus!
As cataratas — pra terra,
As estrelas — para os céus
Lá, do polo sobre as plagas,
O seu rebanho de vagas
Vai o mar apascentar...
Eu quero marchar com os ventos,
Com os mundos... co'os
firmamentos!!!"
E Deus responde — "Marchar!"

"Marchar!... Mas como?... Da Grécia
Nos dóricos Partenons
A mil deuses levantando
Mil marmóreos Panteon?...
Marchar co'a espada de Roma
— Leoa de ruiva coma
De presa enorme no chão,
Saciando o ódio profundo...
— Com as garras nas mãos do mundo,

— Com os dentes no coração?...
"Marchar!... Mas como a Alemanha
Na tirania feudal,
Levantando uma montanha
Em cada uma catedral?...
Não!... Nem templos feitos de ossos,
Nem gládios a cavar fossos
São degraus do progredir...
Lá brada César morrendo:
"No pugilato tremendo
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do sec’lo das luzes!
Filhos da Grande nação!
Quando ante Deus vos mostrardes,
Tereis um livro na mão:
O livro — esse audaz guerreiro
Que conquista o mundo inteiro
Sem nunca ter Waterloo...
Eólo de pensamentos,
Que abrira a gruta dos ventos
Donde a Igualdade vooul...

Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O sec'lo, que viu Colombo,
Viu Guttenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto
As almas buscam beber...
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe — que faz a palma,
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias
Largo — abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções,
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse "rei dos ventos"
— Ginete dos pensamentos,
— Arauto da grande luz!...

Bravo! a quem salva o futuro
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhado
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada "Luz!" o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...


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Imagem de cabeçalho: jenniferphoon/flickr