Textos

É possível conceituar ou definir a liberdade humana?

 

À questão em epígrafe, Cecília Meirelles (1965, p. 70) responde em versos:

 

Liberdade - essa palavra

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!

 

A liberdade é indemonstrável. e, portanto, indefinível, como expôs a poetisa brasileira na esteira de Karl Jaspers (1969, p. 4). Contudo, sente-se e vive-se a liberdade em si e nos outros, pois definir uma liberdade é demarcar os limites para si e para os outros (BÉCET; COLARD; ROBERT, 1985, p. 11). Sendo assim, o estado de liberdade determina a vida e as ações de uma pessoa, de acordo com a sua própria natureza e ideias (HONDIUS, 1993, p. 181).

 

Não é suficiente para o estudo proposto estabelecer um conceito unívoco do termo liberdade. Sendo impossível defini-la mais ainda o será delimitá-la, ao que adere Georges Gurvitch (1963, p. 93) em poética construção:

 

Não se pode deduzir, nem explicar a liberdade humana, nem tampouco tirá-la de uma construção qualquer. Pode-se tão-somente prová-la, vivê-la, experimentá-la e após descrevê-la. Ela é uma propriedade, uma qualidade primordial, irredutível da existência humana, tanto coletiva quanto individual, flama subjacente a toda obra, ação, reação, conduta, realização. Ela pressupõe obstáculos a superar, resistências a vencer, barreiras a derrubar, realizações a ultrapassar, situações a transformar. Ela é uma liberdade situada, liberdade incrustada no real. Ela é uma liberdade sob condição, liberdade relativa. [...] os degraus da liberdade humana são escalonados até o infinito.

 

As origens da expressão liberdade são longínquas, como assinala Marcel Waline (1957, p. 83), e, para Jacques Robert (1971, p. 13), não sugere apenas uma significação. Nesse sentido, assinala Montesquieu (2002, p. 163): “Não existe nenhuma outra palavra que tenha recebido significações tão diferentes, e que de tão variadas maneiras tenha impressionado os espíritos, que a palavra liberdade.”[1] Carlos Fernández Sessarego (1993, v. I, p. 251) verseja que a liberdade se converteu no tema central da sinfonia do pensamento filosófico sobre o humano, e, na visão de Alberto Nogueira (1997, p. 152), as liberdades humanas representam “[...] a experiência de culturas e realidades próprias de determinados povos, na incessante marcha de libertação do homem.”

 

Uma das condições indispensáveis para que o indivíduo realize os seus próprios fins e desenvolva a sua personalidade com vistas a alcançar sua felicidade é precisamente a liberdade, concebida não apenas como uma mera capacidade psicológica de eleger os seus propósitos determinados e escolher os meios subjetivos da sua execução, mas, como uma atuação externa sem limitações e restrições que tornem impossível ou impraticável as condutas necessárias para a atualização da teleologia humana. A existência sine qua non da liberdade, como elemento essencial do desenvolvimento da própria individualidade encontra o seu substratum na própria natureza da personalidade humana. A pessoa tende sempre a realizar sua própria finalidade, traduzida pela sua capacidade de operar valores subjetiva ou objetivamente, segundo o caso em concreto.

 

Essa questão remete à reflexão filosófica sobre a Ética, que diz respeito à consciência da liberdade e da sua transcendência.

 

O ser humano se torna um indivíduo ético, quando toma consciência de que o exercício da sua ação livre não significava simplesmente uma eleição das coisas externas. Essa é certamente a imediata e evidente dimensão da liberdade, mas, em seguida, adverte-se que o seu alcance é mais profundo e decisivo: ao eleger sobre esta ou aquela coisa, sobre este ou aquele curso de ação, o homem decide sobre si mesmo. É a própria pessoa, que, em consequência das suas eleições, resultará realizada ou frustrada, alcançará a felicidade e a plenitude ou se fundirá ao desengano e à infelicidade. Por tal motivo, a consciência da liberdade, com toda a sua profundeza e alcance, enfrenta o indivíduo com a questão da responsabilidade do seu livre agir.

 

A experiência ética do ser humano é estreitamente ligada à experiência da sua liberdade e do alcance da sua liberdade. O grande desafio é justamente determinar o significado do seu desejo e como alcançá-lo.

 

Para melhor entendimento da expressão liberdade deve-se supor pelo menos três sentidos: a liberdade de eleição, a liberdade moral e a liberdade social, política e jurídica, que serão explicitadas, a seguir.

 

Liberdade de eleição (inicial ou psicológica): nos meandros da antropologia

 

A liberdade de eleição é um dado antropológico da condição humana, que diferencia os seres humanos dos demais animais, permitindo-lhes escolher quando se apresentam diversas alternativas ou possibilidades diferentes. Nesse sentido, Max Scheler disse que o homem é o único animal capaz de dizer não.

 

Conhecida como liberdade inicial ou liberdade psicológica, é um dado discutido a partir de posições deterministas[2], ainda que a cultura humana a tenha convertido em uma das bases da sua própria existência, da história e da moralidade. A negação da liberdade de eleição conduziria a enfraquecer toda a grande construção do pensamento sobre o ser humano e sobre a sociedade.

 

O ser humano não nasce livre ou escravo, mas, com a habilidade de escolher entre ser um ou outro. Contudo, desde o momento do seu nascimento, essa condição se modifica. Para ser um agente verdadeiramente livre, não pode se apoiar, simplesmente, nas reflexões objetivas da sua mente, pois incorreria em apreciações e decisões errôneas, ao valorizar suas concepções do mundo, prendendo-se às próprias necessidades. Para conhecer a si mesmo e saber definitivamente se é capaz de utilizar a liberdade de pensar e eleger, deve o ser humano guiar-se também pelo seu interior, que lhe permite alcançar a meta suprema da liberdade e a verdade individual absoluta.

 

4.3 Liberdade moral ou autonomia

 

A liberdade moral supõe independência para a eleição livre dos planos de vida, das estratégias de felicidade. É, quem sabe, segundo Gregório Peces Barba (1993, v. I, p. 203), “[...] a utopia da condição humana”. Resultado do que é eleito livremente, nos dias atuais, é estudada através da Bioética, sob a denominação de Princípio da Autonomia[3], como paradigma imprescindível à procura de soluções para os problemas suscitados pelos avanços biomédicos. Visa o referido postulado, ao lado dos demais princípios bioéticos, estabelecer a diferença existente entre respeitar a liberdade e garantir os interesses mais legítimos das pessoas.

 

4.4 A liberdade social, política e jurídica

 

Na vida social, o ser humano se defronta com interesses por bens escassos, e, consequentemente, envolve-se em conflitos. Por tal motivo, necessita do Direito. A liberdade social, política e jurídica é sempre liberdade por meio do Direito; é o valor máximo juntamente com a igualdade, a segurança e a solidariedade que constituem a ética pública dos dias atuais, incorporada às Constituições, às leis, à jurisprudência ou à organização social.

 

Montesquieu (2002, p. 164) afirma que a liberdade política não consiste em fazer aquilo que se quer, pois, em uma sociedade onde existem leis, a liberdade diz respeito ao direito de fazer tudo aquilo que as leis facultam. Se o cidadão pudesse fazer tudo o que as diretrizes jurídicas proíbem, não mais existiria liberdade, uma vez que os outros teriam também esse poder.

 

A liberdade jurídica é o instrumento para construir na vida social a liberdade moral de cada homem, porque possibilita o mais pleno e completo exercício da liberdade de eleição. É uma liberdade instrumental, colocada entre a liberdade inicial e a liberdade final.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 21/10/2021
Alterado em 17/11/2021
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