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Trouxeram-me Poetrix dentro de uma linda e delicada urna aberta. Veio até mim, coberto por uma manta branca bordada. Postura bela, elegante e digna, ainda que estivesse sem o brilho da vida.
Em atenção ao meu pedido, para substituir as tradicionais flores, algumas folhas de cedro de maçã espalhavam-se sobre a manta. Essa é a forma através da qual os corpos dos budistas são enfeitados no leito exequial. Permaneci com o meu pequenino em uma das salas destinadas ao velório. Emocionada, recitei Gongyo e Daimoku com o firme desejo de que Poetrix renasça o mais rapidamente possível como um ser humano e que venha a ser um valor para a Paz Mundial. Beijei-lhe a cabecinha, e, silenciosamente, acariciei o pelo negro do seu corpo, pela última vez nesta vida. Somente então, abri a porta.
Um funcionário do crematório perguntou-me se gostaria de guardar tufos daquele brilhante pelo por lembrança. Disse-lhe que sim. Escolhi conservar comigo o pelo do pescoço e da nuca, onde Poetrix mais apreciava o meu carinho. Não quis que retirassem muito. Estava tão lindo! Nesse momento, lágrimas escorreram pelo meu rosto, mas, sem desespero.
Despedi-me do corpinho do meu Poetrix, com honra e dignidade. A veterinária responsável pelo cerimonial, perguntou-me se pretendia acompanhar o início da cremação. Sim, desejava escoltar o meu pequenino em seu trajeto final aqui na Terra. Outro funcionário retirou o seu corpinho da urna mortuária e colocou-o sobre uma mesa de alumínio. Abriu-se uma portinhola para recebê-lo. Somente, então, fui para o jardim.
O processo demorou um pouco. Ao final, entregaram-me a urna que continha as cinzas e um pequeno vidro com o pelo recolhido...
Agradeço sinceramente às forças da Natureza que me permitiram viver para cumprir o que sempre prometi ao meu pequenino: amor incondicional, companhia constante, respeito, guarda responsável e um repensamento do conceito filosófico de pessoa e das ideias de Justiça. Para além disso, não permitir que o sofrimento se instalasse no seu corpo, se comprovada a falência dos seus órgãos. Fui amada e amei. Agora, espero que nós dois tenhamos Paz: Poetrix, pelas sendas da Eternidade; eu, com esta Saudade imensurável, que também será eterna. Quando morrer, desejo que as minhas cinzas sejam misturadas às cinzas do Poetrix e juntas sejam espalhadas em uma paisagem bela e acolhedora.
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Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Piquete, 31 de agosto de 2020