Eu e o Outro- o exemplo das meninas-lobos Amala e Kamala -Professora Sílvia MotaPoeta e Escritora do Amor e da Paz
A questão do Eu e do Outro é tratada pelos filósofos de forma fascinante. Durante o Curso de Doutorado, tive a oportunidade de ler alguns livros sobre o tema, em particular, para desenvolver o capítulo pertinente ao alcance da liberdade humana. Ter consciência do Outro é estabelecer os limites por onde trafegará a minha liberdade de agir. Empecilho ou facilitador, o Outro existe como paradigma que deve ser rompido, de quando em quando, à medida que os fatos sociais ocorrem.
Histórias de crianças que foram adotadas e cresceram entre lobos, ursos e macacos aparecem, de tempos em tempos, despertando-nos à reflexão, sobre o que seja necessário e relevante no processo de humanização do ser humano. Em 1920, na Índia, o reverendo Singh encontrou, em uma caverna, duas meninas que viviam entre lobos. Presumiu-se que a mais nova tivesse entre um ano e meio e dois anos e, a mais velha, 8 anos de idade. Foram chamadas de Amala e Kamala, respectivamente. Levadas para o orfanato que Singh mantinha na cidade de Midnapore, enfrentaram um penoso processo de socialização. As crianças não falavam, não sorriam, andavam de quatro, uivavam para a lua e sua visão era melhor à noite do que ao dia. Amala morreu um ano após o resgate e Kamala viveu até 1929, na instituição que a acolheu. Foram necessários seis anos para aprender a andar e pouco antes de morrer amealhara somente um vocabulário de 50 palavras.
Depreende-se desse breve relato, que as meninas-lobos Amala e Kamala eram humanas, mas não humanizadas. Para que se perpetre o ser humano são necessárias a materialidade do corpo, a representação do corpo e a palavra que se inscreve no corpo. Somos moldados pela palavra, desde o útero materno e depois no contexto familiar e social. Da palavra, criamos poesia e discursos; da argila, a obra de arte; do cimento, as casas que nos abrigarão. Isso significa, que somos os únicos animais capazes de transformar o ambiente natural. Por outro lado, a mesma força que nos impele à criação, leva-nos à destruição. Não é suficiente o jaez humano. É necessária a humanização do humano. E, para que ocorra a humanização, é necessário enxergar-se no Outro. Para as meninas Amala e Kamala, o Outro eram os lobos com os quais conviviam. Não processavam a linguagem.
Na contemporaneidade, não mais ocorre o processo ético da palavra. Portanto, subverteram-se os valores. O Outro passa a ser meu inimigo. Recuso-me a enxergá-lo, se a palavra ética for seu dom. O Outro não me reflete e nem me justifica como ser humano. Ao contrário, desumaniza-me, porque é o oposto de mim. Abro mão da coexistência e parto para a existência a meu favor. Lanço ao largo a vestimenta da compaixão e ignoro a Solidariedade. Já nem sombra tenho.
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 05/09/2016