ALDRAVIA
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Tudo fechado. Somente quando funcionava a aldrava, que os lusitanos mais apreciam escrever com b, abriam-se as portas para que o visitante ingressasse no âmago da casa. A aldrava era o sinal de que havia vida e alma no interior da habitação.
Pois este é o undécimo ano do surgimento da "aldrava", algo que as gentes pouco (ou nada) conhecem, a não ser os iniciados na poesia ou os seus utentes (como gostam de dizer os portugueses quando se referem a usuários).
Há espaço para a poesia em nosso tempo? Mais: há espaço em nosso tempo para uma forma nova de poesia? Enfim, de que se trata? Esse nosso povo de Mariana gerou esse produto, até onde sei. Trata-se de um poema sintético capaz de inverter ideias de que a poesia se acha num beco sem saída. A aldravia abre a porta para que a poesia, enfim liberta e incólume, se apresente.
O poema, na forma e feição, é constituído de uma linométrica de até seis palavras-verso. Não mais. Mas, nestas poucas palavras, condena seu sentido, significação e vida, de modo acessível, porque o interesse é de que haja compreensão. Caso contrário, todo o esforço se perderia. Como o carrilhão no templo, adverte par a hora e convida à oração.
(Manoel Hygino dos Santos).
Origem do termo aldravia
O termo aldravia deriva-se de aldrava - peça de metal presa à porta das casas, utilizada para chamar os moradores na chegada de visitantes. A partir dessa imagem, os criadores da Aldravia batem à porta dos poetas, chamando-os à prática de uma poesia que lhes permite ampla interpretação.
Arte Aldravista no Brasil
No ano 2000, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, o Aldravismo aponta para a proposta de vates que se reúnem para expor uma forma de provocar significação sem impor a vontade do autor, nem desconsiderar a vontade do leitor e abrir uma possibilidade de produção de algo que pudesse ser complementado pelo leitor, no processo de significação.
Em outubro de 2000, nasce a Associação Aldrava Letras e Artes (mantenedora do Jornal Aldrava Cultural e da Editora Aldrava Letras e Artes) como associação de artistas e escritores, para a produção e promoção das artes literárias, plásticas e musicais. Em novembro de 2000, circula a primeira edição do Jornal Aldrava Cultural, em dimensões compatíveis com o fôlego financeiro dos seus editores. Esses dois eventos representavam o amadurecimento dos projetos anteriores e uma aposta na força da ação conjunta dos poetas que somaram experiências desde a edição do PoeZineem 1994. (DONADON-LEAL, 2013, p. 13)
Os fundadores da Aldrava Letras e Artes, signatários da Ata de Fundação, de 14 de outubro de 2000, em reunião presidida por Gabriel Bicalho, são: Arley Camilo, Hebe Rôla, J. B. Donadon-Leal, J. S. Ferreira, Lázaro Francisco da Silva, o artista plástico Elias Layon, Geraldo Magela Reis e Luiz Tyller Pirolla. O registro da Ata foi lavrado no Cartório de Pessoas Jurídicas de Mariana, em 2 de fevereiro de 2002. Nessa reunião de 14 de outubro de 2000, foi aprovado o Estatuto da Aldrava Letras e Artes, associação sem fins econômicos, registrado no Cartório de Pessoas Jurídicas de Mariana, em 7 de março de 2002. A Associação Aldrava Letras e Artes destina-se à produção de atividades culturais nas letras, nas artes plásticas, nas artes cênicas e na música. Em novembro de 2000, foi distribuída nas ruas de Mariana a primeira edição do Jornal Aldrava Cultural. (DONADON-LEAL, 2013, p. 13-14)
J. B. Donadon-Leal (2007, p. 5) explica a Arte Aldravista: “[...] é expressão de liberdade, romper barreiras formais de produção e ousar criar conceitos novos, é Arte Metonímica, em que autor e leitor percebem porções daquilo que é possível. O leitor metonímico é aquele que busca algo que só ele viu.”
Surge assim, em apertada síntese, a proposta da “literatura metonímica”, através da qual o autor expõe uma parcela do episódio representado, ao mesmo tempo que oferece ao leitor/espectador a liberdade de assentar o seu complemento de significação.
Noções conceituais
Aldravia é nova forma poética, que conquista espaço pelas vias do mundo virtual, com o qual se identifica, pelo jeito minimalista de ser. Poema sintético, fixa sua essência na retórica metonímica. Palavra de ordem: o máximo de poesia num mínimo de palavras.
Salienta J. B. Donadon-Leal (2010): "O primeiro legado dos aldravistas foi a ideia de organização do mundo artístico, seja para produzi-lo, seja para compreendê-lo, a partir do conceito de metonímia: porções constitutivas das coisas podem representá-las, muito bem, no mundo das significações. Essa percepção abre espaço para o enfrentamento à concepção prepotente das metáforas que trazem consigo arroubos de substituições totalitárias. Ao mesmo tempo, a poesia metonímica busca demonstrar que a poeticidade pode estar na simplicidade. A leitura da poesia não pode ser uma tortura em busca de significações. Sentidos têm que saltar da forma poética com a facilidade com que se captam os significados na fala cotidiana. Tortura não combina com poesia. A única dor tolerável na poesia é a do prazer." (grifo nosso).
A nova forma poética prescinde da utilização de recursos visuais adicionais, nada obstante aceita-se experimentação que não complique a leitura do poema.
Estrutura
A Aldravia constitui-se numa linométrica de até 6 (seis) palavras-verso. Esse limite de palavras ocorre de forma aleatória, conquanto adstrita à criação de um poema que abarque significados a partir de um mínimo de palavras.
Características das Aldravias
Andreia Donadon-Leal, criadora do novo formato poético, ao lado de Gabriel Bicalho, J. B. Donadon-Leal e J. S. Ferreira, expõe diretrizes para a elaboração das Aldravias:
1- iniciar os versos com letras minúsculas. Em caso de nomes próprios, vale a opção do autor;
2- a divisão em palavras-versos já implica pausa; por isso, não é recomendada a utilização de pontuação. Além disso, a pontuação limita possíveis interpretações relativas a livres escolhas do leitor em deslizar pausas para criar novos sentidos;
3- as pontuações de interrogação ou de exclamação podem ser utilizadas, se a sintaxe da Aldravia, por si só, não denunciar a sua proposição;
4- nomes próprios duplos (com ou sem ligação por hífen), cuja divisão resulta em outro nome (Di Cavalcanti, Van Gogh), podem ser considerados um único vocábulo;
5- nomes e formas pronominais ligadas por hífen podem ser considerados vocábulos únicos;
6- sugerir mais do que tentar escrever todo o conteúdo. Incompletude é provocação aldrávica;
7- privilegiar a metonímia, evitando-se a metáfora.
Aldravias vivenciadas pelos seus criadores
aldravias
buscam
continentes
em
longínquas
porções
*Andreia Donadon Leal
aldravia
meu
verso
universo
em
poesia
*Gabriel Bicalho
morangos
passeiam
sob
blusa
de
algodão
*J. B. Donadon-Leal
trovões
riscam
céu:
chuva
de
palavrões
*JS Ferreira
Observação: Antes de criar aldravias, estudar o que seja metonímia.
METONÍMIA
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
As figuras de palavras, também chamadas de tropos ou figuras de semântica, oferecem ao discurso sentido diferente daquele tradicionalmente empregado e as palavras assumem, dessa forma, um sentido figurado no contexto ao qual são integradas. A finalidade é imprimir um efeito mais expressivo na comunicação, que impressione e encante o ouvinte ou o leitor. As figuras de palavra são muito utilizadas em textos poéticos, pois permitem criatividade na interpretação. Nessa seara, destacam-se as METONÍMIAS, objeto do presente estudo.
O que é uma metonímia?
Proveniente da palavra grega metonymia (“além do nome”, “mudança de nome”), a metonímia ou transnominação consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de sentido. Segundo o Dicionário Digital Aulete, trata-se de: “Figura de linguagem baseada no uso de um nome no lugar de outro, pelo emprego da parte pelo todo, do efeito pela causa, do autor pela obra, do continente pelo conteúdo etc.” Pode-se, portanto, identificá-la em diversas situações do nosso diálogo, tanto na oralidade quanto na escrita.
A leitura imediata de uma metonímia revela-nos um incômodo. O leitor tentará resolvê-lo usando um algoritmo próprio para metonímias, cujos elementos são:
substituto
substituído (referente)
relação de contiguidade
decifração
Decifrar a metonímia significa alcançar o termo substituído - o referente - que atende à dupla condição de ocupar a posição do substituto e manter com este uma relação de contiguidade. A decifração depende do contexto e a este será pertinente.
Exemplo: Li Castro Alves
Substituto: Castro Alves
Relação de contiguidade: Castro Alves é poeta
Substituído: poemas de Castro Alves
Decifração: Li poemas de Castro Alves
Exemplos de metonímias e correspondentes Aldravias
*As Aldravias aqui apresentadas são criações de Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
1 - Autor pela obra: "Gosto de ler Shakespeare todas as noites" (= Gosto de ler a obra literária de Shakespeare todas as noites).
Exemplo:
Aldravia 109
Shakespeare
adormece
comigo
toda
noite -
poesia!
2 - Inventor pelo invento: "Edson ilumina o mundo" (= As lâmpadas iluminam o mundo).
Exemplo:
Aldravia 106
Edson
ilumina
olhar
da
humanidade
3 - Símbolo pelo objeto simbolizado: "Abomino a cruz" (= Abomino o sofrimento).
Exemplo:
Aldravia 7
ignoro
ignóbil
cruz -
cobiço
outro
Éden
4 - Lugar pelo produto do lugar: "Quero degustar um Porto com emoção" (= Quero degustar um vinho produzido na cidade do Porto, Portugal, com emoção).
Exemplo:
Aldravia 107
Porto
degustado
n’emoção
aquece
coração
solitário
5 - Produto pelo lugar do produto: "Fumou um havana no nascimento do filho" (= Fumou um charuto, produzido em Havana, Cuba, no nascimento do filho).
Exemplo:
Aldravia 108
havana
festeja
nascimento -
espirais
ao
vento
6 - Efeito pela causa: "Sócrates bebeu a morte" (= Sócrates bebeu veneno).
Exemplo:
Aldravia 109
qual
Sócrates
bebo
morte -
teus
lábios!
7 - Causa pelo efeito: "Moro no campo e como do meu trabalho" (= Moro no campo e como o alimento que produzo).
Exemplo:
Aldravia 128
comer
próprio
trabalho
requer
saber
campesino
8 - Continente pelo conteúdo: "Bebeu o frasco inteiro" (= Bebeu todo o líquido que estava no frasco).
Exemplo:
Aldravia 111
bebo
frasco
inteiro
do
teu
gozo
9 - Conteúdo pelo continente: "Bebi dois cafezinhos" (= Bebi duas xícaras de cafezinho).
Exemplo:
Aldravia 112
bebi
dois
cafezinhos -
salivo
teu
gosto!
10 - Matéria pelo objeto: "Existem diamantes negros no teu rosto" (= Existem olhos negros no teu rosto).
Exemplo:
Aldravia 113
diamantes
negros
enfeitam
rosto
sonhador
- brilham!
11 - Instrumento pela pessoa que utiliza: "Os flashes corriam atrás da celebridade" (= Os fotógrafos corriam atrás da celebridade).
Exemplo:
Aldravia 114
flashes
ansiosos
perseguem
meus
olhos -
fujo!
12 - Parte pelo todo: "Vários rostos ilustram o outdoor" (= Várias pessoas ilustram o outdoor).
Exemplo:
Aldravia 115
rostos
vazios
ilustram
outdoor -
ilusão
passageira!
13 - Gênero pela espécie: "Nós, os mortais, somos capazes de imortalizar sonhos" (= Nós, os seres humanos, somos capazes de imortalizar sonhos).
Exemplo:
Aldravia 116
somente
mortais
racionais
imortalizam
sonhos
14 - Singular pelo plural: "O brasileiro foi chamado à luta contra a corrupção" (= Os brasileiros foram chamados, não apenas um brasileiro).
Exemplo:
Aldravia 117
brasileiro
responde
peito
inflamado -
fora
corrupção!
15 - Marca pelo produto: "Uma delícia dirigir minha Mercedes Benz!" (= Uma delícia dirigir meu carro da marca Mercedes Benz!).
Exemplo:
Aldravia 118
cavalgo
minha
Mercedes
Benz -
negra
delícia!
16 - Espécie pelo indivíduo: "Heróis brasileiros morrem na Segunda Guerra Mundial" (= combatentes brasileiros morrem na Segunda Guerra Mundial).
Exemplo:
Aldravia 129
heróis
brasileiros
tombam
na
Itália
imortais
17 - Indivíduo pela espécie: "O futebol brasileiro ressente a falta de novos pelés" (O futebol brasileiro ressente a falta de novos craques).
Exemplo:
Aldravia 127
futebol
brasileiro
amarga
ausência
de
pelés
18 - Símbolo pela coisa simbolizada: "A balança penderá para o lado da verdade" (= A justiça penderá para o lado da verdade).
Exemplo:
Aldravia 120
enfim
balança
balouça
ética -
reconhece
verdade!
19 - Concreto pelo abstrato ou vice-versa: "Meu pai é papo cabeça" (= Meu pai é inteligente).
Exemplo:
Aldravia 121
num
papo
cabeça
papai
cabeceia
estupidez
20 - Indivíduo pela classe: "Escolheram-me para cristo" (= Escolheram-me para ser sacrificado).
Exemplo:
Aldravia 122
agora
sou
cristo -
fujo
da
cruz?
21 - Classe pelo indivíduo: "Depois desse resultado, não mais acredito no Juizado brasileiro” (= Depois desse resultado, não mais acredito nos juízes brasileiros).
Exemplo:
Aldravia 123
corrupção
desafia
Juizado
brasileiro -
perigo
constante
Referências
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CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura brasileira em diálogo com outras literaturas. 3. ed. São Paulo: Atual Editora, 2005.
CUNHA, Celso, CINTRA, Lindley. Nova gramática do português contemporâneo. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
DONADON-LEAL, Andreia; BICALHO, Gabriel; DONADON-LEAL, J. B.; FERREIRA, J. S. ABC das aldravias. Recanto das Letras, São Paulo. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3841415. Acesso em: 14 jun. 2016.
DONADON-LEAL, Andreia Aparecida Silva. Aldravismo: movimento mineiro do século XXI. Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Letras, para obtenção do título de Magister Scientiae. Viçosa, 2013. 89 p.
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DONADON-LEAL, J. B. O que é Aldravismo. Fórum Literário. Clesi Lítero Cultural: Clube dos Escritores de Ipatinga, Ipatinga, n. 14, p. 5, jan./jun. 2007. Disponível em: http://clesi.com.br/wp-content/download/jornal14.pdf
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MANOSSO, Radamés. Metonímia. Palavras sobre palavras, [s.l.]. Disponível em: http://radames.manosso.nom.br/linguagem/retorica/recursos-retorica/metonimia. Acesso em: 15 jun. 2016.
PERINI, M. A. Gramática descritiva do português. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.
PIRES, Orlando. Manual de teoria e técnica literária. Rio de Janeiro: Presença, 1981.
SAVIOLI, Francisco Platão. Gramática em 44 lições. 32. ed. São Paulo: Ática, 2000.
SANTOS, Manoel Hygino dos. Caminho novo. Jornal Aldrava Cultural, Mariana, MG. ISSN 151-9665. Disponível em: https://www.jornalaldrava.com.br/pag_aldravias_fortuna.htm
TUFANO, Douglas. Estudos de língua portuguesa: minigramática. São Paulo: Moderna, 2007.
VERBETE. Metonímia. Dicionário Aulete Digital. Disponível em: http://www.aulete.com.br/metonimia. Acesso em: 14 jun. 2016.
*Texto ampliado em 9 de dezembro de 2020. Rio de Janeiro.
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 08/07/2016
Alterado em 09/12/2020