Intróito à eutanásia
Professora Sílvia Mota
Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Neste trabalho, ainda que perfunctório, apresento breves considerações a respeito do tema eutanásia, tão discutido através do tempo e do espaço. Sendo assim, não se trata de um tema novo, mas que se renova constantemente, a partir da evolução do pensamento humano.
Noções conceituais
A palavra eutanásia deriva do latim euthanasia (eu, bem, e thanatos, morte) que significa boa morte, morte fácil, morte doce, sem dor nem sofrimentos. Trata-se, portanto, de morte grata ou morte desejada, para os que querem evitar o tormento dos desejos impotentes. Teologicamente, significa morte em estado de graça (MORALES, 1993, p. 19). Atualmente, eutanásia significa morte provocada por sentimento de piedade à pessoa que sofre. Age-se sobre a morte, antecipando-a.
Deve-se dizer que a palavra eutanásia sempre foi utilizada de forma confusa e ambígua e sua utilização vem desde a Grécia antiga, quando Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a ideia de que o sofrimento oriundo de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Por outro lado, Aristóteles, Pitágoras e Hipocrates condenavam o suicídio. Com isso, a escola hipocrática deixa bem claro seu posicionamento contrário à eutanásia (ALVES, 1999, p. 12).
Ao longo do tempo e do espaço, a discussão sobre o tema prosseguiu, não se restringindo à Grécia. Cita-se que no Egito (69 aC - 30 aC) a rainha Cleópatra VII criou uma “academia” com vistas aos estudos de meios para obter morte menos dolorosa. Em 1895, na então Prússia, ocorreu o seu apogeu, com a proposição de que o Estado deveria prover meios para a realização de eutanásia em pessoas incapazes para solicitá-la.
O termo eutanásia foi proposto em 1623, por Francis Bacon (apud ASÚA, 1992, p. 338), em sua obra "Historia vitae et mortis", mas há indicações da ideia em seu "Novum Organum" (BACON, 2002, p. 33 et seq.), entre os aforismos sobre a interpretação da natureza e o reino do homem.
Desde então, o vocábulo eutanásia suscita inúmeros questionamentos de ordem social, econômica, ética e jurídica. Entende o autor que o final da vida deve ser aceito pela razão e que a arte deve aplicar todos os recursos para lográ-lo "[...] como um poeta dramático consagra os últimos esforços de seu gênio ao último ato de sua obra."
Não é, portanto, sem razão, que afirma Roberto Lauro Lana (1997): “[...] a partir do Juramento de Hipócrates, até os dias de hoje, a administração ao paciente terminal de drogas letais ou a omissão de determinados recursos disponíveis na terapêutica, tem se constituído motivo de intenso debate no seio da sociedade.”A partir dessas colocações e em termos genéricos, entende-se que eutanásia seja: "[...] a ação médica que tem como consequência primeira e primária a supressão da vida do enfermo próximo à morte e que assim o solicita" (GAFO, 1997, p. 100). É a "agonia tranqüila", como bem a definiu Morache (apud ASÚA, 1992) no início do século. Oscar Guimarães (1910) e Bento Lacerda (1925), autores brasileiros, pensam igual. Aos olhos de Jiménez de Asúa (1992, p. 338), em sentido próprio e estrito, é a eutanásia "[...] a boa morte que outro procura a uma pessoa que padece de enfermidade incurável ou mui penosa e a que tende a truncar a agonia demasiado cruel ou prolongada."
Somente se configurará a eutanásia quando ocorrer a morte movida por compaixão/piedade/sentimento humanístico, em relação ao paciente em estado terminal, vitimado por doença incurável e causadora de intenso sofrimento. Sendo possível a cura, afasta-se a eutanásia. Será provocada por parentes, amigos e médicos do paciente.
Modalidades de eutanásia
No rol das classificações, segue a proposta de Ricardo Royo-Villanova (1928, p.10):
a) Eutanásia súbita: morte repentina;
b) Eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e progressivo do envelhecimento;
c) Eutanásia teológica: morte em estado de graça;
d) Eutanásia estóica: morte obtida com a exaltação das virtudes do estoicismo;
e) Eutanásia terapêutica: faculdade dada aos médicos para propiciar um morte suave aos enfermos incuráveis e com dor;
f) Eutanásia eugênica e econômica: supressão de todos os seres degenerados ou inúteis;
g) Eutanásia legal: aqueles procedimentos regulamentados ou consentidos pela lei.
No mesmo ano, no Brasil, Ruy Santos (1928, p. 6-7), propôs que a eutanásia fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a ação:
a) Eutanásia-homicídio: quando alguém realiza um procedimento para terminar com a vida de um paciente;
b) Eutanásia-homicídio realizada por médico;
c) Eutanásia-homicídio realizada por familiar;
d) Eutanásia-suicídio: quando o próprio paciente é o executante (talvez a precursora do Suicídio Assistido).
Em 1942, Luis Jiménez Asúa (1992, p. 409-412), trata o assunto distinguindo-o em: eutanásia libertadora dos penosos sofrimentos, eliminadora e econômica, que perseguem um objetivo selecionador:
a) Eutanásia libertadora: realiza-se por solicitação de um paciente portador de doença incurável, que se encontre em extremo sofrimento;
b) Eutanásia eliminadora: é realizada em indivíduos que, embora não se encontrem em estado terminal, são portadores de distúrbios mentais. Esta prática é justificada porque as pessoas a quem se dirige constituem-se em "carga pesada" para sua família, para a sociedade na qual vivem e para o Estado;
c) Eutanásia econômica: realiza-se em pessoas que, vitimadas por uma doença grave, permanecem em estado de inconsciência, podendo, ao recobrar os sentidos sofrerem em função da sua doença.
A eutanásia selecionadora é "irmã gêmea da econômica". Ambas, na sua finalidade, "[...] hebetadamente, desumana, revelam torpeza e maldade de alguns mortais" (ZOUZA, 1994, p. 284).
Ramón Martín Mateo (1987, p. 96-97) também se refere ao suicídio assistido, à eutanásia ativa e à ortotanásia e Hans-Georg Koch (1992, p. 136-137) classifica a eutanásia em: genuína, passiva, indireta, ativa e auxílio ao suicídio.
Bom salientar, que na ação dos nazistas contra judeus e doentes (conhecida como eutanásia eugênica), não ocorreu a motivação humanística. A despeito da nomenclatura, pode-se afirmar que o programa de “eutanásia” nazista consistia em franca arbitrariedade, ao promover a morte indiscriminada de portadores de doenças físicas ou mentais, o que não se confunde com a eutanásia propriamente dita. No Brasil seria hipótese de homicídio simples ou qualificado.
Como se vê, a terminologia sobre as condutas empregadas ou negadas ao paciente terminal é ampla e polêmica, sendo as mais usuais: eutanásia ativa, eutanásia passiva ou ortotanásia e distanásia.
Posição jurídica nacional
No Brasil, a eutanásia é tratada como homicídio, porque o Código Penal brasileiro não faz referência à eutanásia. Por este diploma legal, a eutanásia pode ser considerada homicídio privilegiado. Se não estiverem presentes aqueles requisitos, cai-se na hipótese de homicídio simples ou qualificado, dependendo do caso.
Art. 121 do Código Penal [...] parágrafo 1º: “Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.”
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse refrão, assegura o direito à vida e não admite que o paciente seja obrigado a submeter-se ao tratamento. O direito do paciente de não se submeter ao tratamento ou até mesmo interrompê-lo é a consequência da garantia constitucional à preservação da liberdade, autonomia jurídica e inviolabilidade de vida privada. Além disso, o inciso XXXV do Art. 5º garante o direito da apreciação do Poder Judiciário a qualquer lesão ou ameaça a direito.
Em 1996, Gilvam Borges formulou o Projeto de Lei nº 125/1996, no afã de regulamentar os casos em que se poderia autorizar a prática da morte sem sofrimento, estabelecendo os procedimentos prévios a serem levados em consideração na sua execução. O Projeto prevê a permissão para que sejam desligados os meios extraordinários (aparelhos) quando constatada a morte cerebral e a permissão de morte suave de pacientes em situações de extremo sofrimento físico e mental, circunstância na qual torna-se injustificada a continuidade de assistência médica. O Projeto estabelece a necessidade de consentimento prévio do paciente e, na impossibilidade deste, dos familiares e pessoas habilitadas à solicitação. A autorização para realização desses procedimentos será emitida por uma junta médica, composta por cinco membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Impossibilitado o paciente de expressar sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização. Em 1997, esse projeto foi bastante comentado em razão do drama vivido pelo pedreiro Dirceu José de Souza, que matou o irmão aidético com um golpe de martelo e uma facada, a pedido deste. O caso é polêmico porque os métodos adotados para praticar a eutanásia são suaves e o pedreiro usou de muita violência, causando sofrimento ao irmão na hora da morte (OTAVIO, 1997, p. 10-11). O Projeto encontra-se arquivado desde 1999.
Outro Projeto de Lei, o de nº 5058/2005, oferecido pelo Deputado Osmânio Pereira, tramita no Congresso Nacional, sob a pretensão de regulamentar o artigo 226, parágrafo 7º da Constituição, reafirmando a inviolabilidade do direito à vida e definindo a eutanásia e a interrupção voluntária da gravidez como crimes hediondos, em qualquer situação que se configure.
Em consonância com esse Projeto de Lei situa-se Luiz Flávio Borges D’urso (2007) por se colocar peremptoriamente contra a legalização da eutanásia: "[...] sou radicalmente contra a legalização da eutanásia no Brasil e a Holanda que acaba de legalizar a eutanásia, mais uma vez nos dá exemplo do que não se deve legalizar - na Holanda as drogas são legalizadas, admite-se casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc. [...] Dessa forma entendo que erra o legislador que pretende tal legalização."
O Projeto de Reforma do Código Penal (Anteprojeto do Código Penal), pretende disciplinar a eutanásia da seguinte forma:
DOS CRIMES CONTRA A VIDA HOMICÍDIO
Art. 121. EUTANÁSIA
Parágrafo 3º. Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente, descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima e, agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos.
A partir dessa modificação, passaria a eutanásia a compor o rol das qualificadoras do crime de homicídio.
A ortotanásia também é mencionada no referido projeto, que determina sua antijuridicidade (art. 121, § 4º): "Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão".
A Câmara analisa o Projeto de Lei n° 6.715/2009, do Senado, que permite ao enfermo em estágio terminal optar pela suspensão dos procedimentos médicos que o mantém vivo artificialmente. O texto altera o Código Penal (Decreto-lei n° 2.848/40) ao estabelecer que a exclusão da ilicitude somente seja anulada se ocorrer omissão de tratamento ao paciente. Na impossibilidade do mesmo, o pedido de suspensão ao tratamento deve ser proposto por um parente próximo, seja cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. O Código Penal Brasileiro teria um acréscimo no artigo 136, que passaria a vigorar com o artigo 136-A, com a seguinte redação:
Art. 136-A. Não constitui crime, no âmbito dos cuidados paliativos aplicados a paciente terminal, deixar de fazer uso de meios desproporcionais e extraordinários, em situação de morte iminente e inevitável, desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão.
§ 1º A situação de morte iminente e inevitável deve ser previamente atestada por 2 (dois) médicos.
§ "2º A exclusão de ilicitude prevista neste artigo não se aplica em caso de omissão de uso dos meios terapêuticos ordinários e proporcionais devidos a paciente terminal."
Casuística mundial
Caso Debbie - eutanásia ativa (ITS..., 1988, p. 272)
Um residente de Ginecologia, que estava de plantão em um grande hospital privado norte-americana, foi chamado a meia-noite, para atender uma paciente de 20 anos, em estágio terminal, com câncer de ovário. A paciente não respondeu à quimioterapia e estava recebendo apenas medidas de suporte. Ela estava acompanhada pela mãe quando o médico chegou. Há dois dias que não conseguia comer ou dormir. Estava com 34 kg de peso corporal e com vômitos frequentes. Debbie disse ao médico, que não a conhecia até este momento, apenas a seguinte frase: "terminemos com isto". O médico foi até a sala de enfermagem e preparou 20mg de morfina. Voltou ao quarto e disse às duas mulheres que iria dar uma injeção que possibilitaria a Debbie descansar e dizer adeus. A paciente nada disse, nem sua mãe. Em 4 minutos a paciente morreu. A mãe se manteve erguida e pareceu aliviada.
Caso Vincent Humbert - Eutanásia Ativa Voluntária (PEREIRA, 2007)
A breve história de Vincent Humbert, um jovem francês de 22 anos, foi marcada por um grave acidente automobilístico em setembro de 2000. Em razão do acidente, o rapaz permaneceu em coma por nove meses e teve como seqüela uma severa tetraplegia, o que paralisou completamente seus braços e pernas, com exceção do polegar direito, que preservara uma discreta capacidade de movimentar-se. Além da limitação motora, Humbert também ficou cego e mudo, caracterizando um quadro de deficiência múltipla. Apesar do acidente e do coma subsequente, as funções cognitivas do rapaz permaneceram preservadas. Desde que saiu do coma, Humbert passou a desejar sua própria morte. O caso repercutiu na imprensa internacional a partir de dezembro de 2002, quando o rapaz escreveu uma carta ao presidente francês Jacques Chirac pedindo a descriminalização da eutanásia na França. Na carta o rapaz argumentava que o presidente francês, tendo o poder de indultar prisioneiros condenados, poderia isentar de culpa quem o matasse por compaixão. As palavras de Humbert que chegaram ao presidente Chirac e ao mundo foram: "A lei dá-lhe o direito de indultar, eu peço-lhe o direito de morrer." O rapaz concluiu a carta com um desabafo: "O senhor é a minha última chance." A iniciativa emocionou o presidente francês, que chegou a telefonar algumas vezes para Humbert, mas o pedido do rapaz não pôde ser atendido pelo presidente. Com a pouca mobilidade que lhe restou no polegar direito, Vincent Humbert descobriu que poderia se comunicar com a mãe, Marie Humbert; ela repetia o alfabeto e ele pressionava a sua mão com o polegar, quando queria usar a letra soletrada. Tão logo pôde se fazer entender, o rapaz passou a implorar a seus médicos que praticassem a eutanásia, a fim de acabar com seu sofrimento, mas eles não puderam atendê-lo, pois a eutanásia é considerada uma prática ilegal na França. O mesmo pedido também foi feito à sua mãe, a quem ele implorava diariamente por ajuda, por causa de sofrimento insuportável. O jovem tetraplégico tornou público seu desejo de morrer por meio de um livro de 188 páginas, escrito com a ajuda de um jornalista, usando o mesmo processo lento de comunicação. No livro, cujo título já é um pedido pelo direito de morrer (Je vous demande le droit de mourir), Humbert argumenta sobre sua decisão de dar fim à própria vida como forma de acabar definitivamente com seu sofrimento. O lançamento do livro deveria coincidir com a ocasião de sua morte, previamente combinada com a mãe, Marie Humbert, que o ajudaria a se matar com uma dose letal de barbitúricos. A data estabelecida pelo rapaz marcava também o terceiro ano de seu acidente, ocorrido em 24 de setembro de 2000. O apoio da mãe, que sofria ao lado do filho, foi marcante. Sua tentativa de ajudar o rapaz a realizar seu desejo de morrer não teve êxito imediato, pois o rapaz entrou em coma profundo, permanecendo assim por mais três dias. A equipe médica, ao constatar o agravamento do quadro de saúde de Humbert, interveio fazendo manobras de reanimação. Após uma reunião em que se discutiu o caso, a equipe médica responsável divulgou um comunicado à imprensa informando que havia decidido suspender todas as medidas terapêuticas ativas, dada a grave condição do paciente e o desejo de morrer que por várias vezes ele expressara. O sofrimento de Vincent Humbert finalmente cessou com sua morte, em 27 de setembro de 2003 (Bremer, 1º out. 2003; Burgermeister, 8 nov. 2003; Dufresne, 2003).
Casuística nacional
Eutanásia em São Paulo (BARBOSA; FERNANDES; RIGITANO, 2004, p. 20-25)
O periódico "Vidas em Revista", de 8 de março de 2004, publicou reportagem na qual o cirurgião Carlos Alberto de Castro Cotti, de São Paulo, relatou ter realizado várias eutanásias, inclusive involuntárias, em seus pacientes, desde 1959.
1° Relato - 1959: paciente com icterícia, não conseguia se alimentar e recebia alimentação artificialmente, tinha dores e recebia morfina. Afirmou o cirurgião: "Era um absurdo mantê-lo vivo naquelas condições."
2° Relato - 1964: paciente com metástases cerebrais, pulmonares e intestinais generalizadas, que sofria dores inuportáveis quando as metástases ósseas o atingiram.
3° Relato - sem data especificada: paciente com carcinomatose, com bloqueio de rim. "Foi muito triste porque era meu amigo, tinha 52 ou 54 anos."
4° Relato - sem data especificada: uma paciente com idade entre 65 e 68 anos, foi operada quatro vezes em dois anos. Na primeira vez foi realizada uma jejunostomia. No início, seu peso era 70 kg; após a quarta cirurgia, quando sofreu perfuração intestinal devida ao carcinoma e teve uma peritonite, estava com apenas 25 kg. Nessa ocasião, o cirurgião da paciente solicitou ao médico que relatou o fato, que fizesse uma injeção de "M1" (solução a base de fenergan, morfina e outras substâncias) na paciente. Isto foi feito na própria residência da paciente, após comunicação aos filhos. "Eu fui buscar a medicação e nós dois colocamos no soro. Ficamos aguardando, conversando, por que nós resolvemos que deveríamos estender o mais que pudéssemos o sono, porque a paciente estava muito consciente. E foi feito." Uma das repórteres perguntou se a paciente sabia e havia concordado com o procedimento. A resposta foi a seguinte: "Ela sabia que não podia mais ser operada, mas não sabia que ia receber o "M1". Quem decidiu isso foi a família."
Eutanásia no Rio de Janeiro (BARBOSA; FERNANDES; RIGITANO, 2004, p. 23)
O periódico "Vidas em Revista", de 8 de março de 2004, publicou reportagem na qual há o relato de eutanásias realizadas no hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, pelo auxiliar de enfermagem Edson Isidoro Guimarâes, em 1999. Ele afirmava que fazia isso por compaixão, para aliviar o sofrimento dos pacientes, que podiam ser jovens ou velhos. O método utilizado consistia na injeção de cloreto de potássio ou no desligamento do equipamento que fornecia oxigênio aos pacientes. Foram apuradas 153 ocorrências deste tipo em seus plantões, com as mortes ocorrendo entre as duas e as quatro horas da manhã. Destas, quatro foram comprovadas e assumidas pelo auxiliar de enfermagem, que foi julgado e condenado a 76 anos de prisão, em 19 de fevereiro de 2000. Sua pena foi reduzida duas vezes, primeiro para 69 anos e depois para 31 anos e oito meses. Havia o envolvimento de empresas funerárias que pagaram entre 40 e 60 dólares norte-americanos por paciente encaminhado.
Mandamentos ético-religiosos
Juramento de Hipócrates: "Não me deixarei induzir pelo pedido de ninguém, quem quer que ele seja, a dar de beber veneno ou a dar o meu conselho numa contingência dessas."
Santa Sé - Declaração sobre Eutanásia da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, de 5 de maio de 1980: "Entende-se por eutanásia uma ação ou uma omissão que, por sua natureza, ou nas intenções, busca a morte, com o objetivo de eliminar toda dor.
Associação Médica Mundial - Declaração Sobre Eutanásia, de 1987, em Madrid-Espanha: "Eutanásia, que é o ato de deliberadamente terminar com a vida de um paciente, mesmo com a solicitação do próprio ou de seus familiares próximos, é eticamente inadequada. Isto não impede o médico de respeitar o desejo do paciente em permitir o curso natural do processo de morte na fase terminal de uma doença."
Código Brasileiro de Deontologia Médica, de 1984: no seu art. 29, colocou entre as infrações que podem ser realizadas por médicos: "Contribuir para apressar a morte do paciente, ou usar meios artificiais quando comprovada a morte cerebral." Infere-se deste artigo um zelo com a responsabilidade do médico quando estiver em contato com o seu paciente, mas este dispositivo não parece abarcar a prática eutanásica, uma vez que o artigo se revela bastante genérico e carece de previsão dos elementos necessários para a sua configuração.
Código de Ética Médica brasileiro: é também expressamente contra qualquer prática eutanásica. Isso pode ser comprovado com a leitura de seu artigo 66, que assim dispõe: "É vedado ao médico utilizar, em qualquer caso, meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu responsável legal."
Questões jurídicas controvertidas
Quais os critérios jurídicos a serem levados em consideração quando couber ao juiz solucionar o conflito Direito à Vida X Direito à Liberdade de Escolha, no contexto eutanásico?
Qual o significado da expressão "vida digna" no contexto eutanásico?
REFERÊNCIAS
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Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 17/06/2016
Alterado em 13/08/2016