O reconhecimento do direito à vida
em âmbito nacional e internacional
Professora Sílvia M. L. Mota
1 A vida em três dimensões
1.1 Noção empírica da vida
A experiência do senso comum entende que a vida é espontaneidade, que os seres viventes atuam por si mesmos. Diz-se que a vida é movimento. Sendo assim, empiricamente, a vida é a espontaneidade característica de certos entes que se movem por si mesmos.
1.2 Noção biológica da vida
A Biologia entrega-nos uma visão descritiva, mas não essencial do que seja a vida. A definição descritiva se constitui pela enumeração, nem sempre completa, das propriedades, ou, melhor dizendo, das operações características da vida que não são suscetíveis de observação ou experimentação precisas. A estrutura experimentável da vida abarca a ordenação e conjugação de elementos observáveis.
A unidade vital básica na Biologia é a célula. Pelos limites do método experimental, as ciências biológicas estudam somente as atividades vitais que dependem e se manifestam diretamente através do corpo. Mas, a vida humana não abarca somente uma visão biológica experimental. A vida humana é história, economia, política, religião, arte, entre outros.
A Biologia emprega o significado amplo da vida, define a vida como um ciclo, que chega até as operações observáveis, mas não pode dar razão à essência, causas e princípios últimos ou radicais da vida.
A Psicologia Experimental, por seu lado, também é incapaz de penetrar na essência da vida.
1.3 Noção filosófica da vida
A Filosofia deve partir da noção empírica e da noção científica experimental, que a designam como um movimento espontâneo. A Filosofia da Natureza é a ciência filosófica que se ocupa do estudo dos entes corpóreos ou materiais.
A vida é a forma mais alta de mobilidade e de filosofia do ser vivente; constitui a parte mais complexa, nobre e perfeita da filosofia da Natureza.
2 A proteção jurídica da vida humana no Brasil
As primeiras Constituições brasileiras (art. 179 da Constituição de 1824 e art. 72 da Constituição de 1891), declaravam protegidos os direitos concernentes à inviolabilidade da liberdade, segurança individual e da propriedade. A partir de 1934 os mesmos direitos foram assegurados constitucionalmente no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais. Em 1937, retoma-se a orientação de 1824 e 1891, assegurando-se a liberdade, a segurança individual e a propriedade.
A proclamação desses direitos humanos fundamentais, culmina com a introdução, a partir de 1946, em texto constitucional, da inviolabilidade dos direitos concernentes à vida aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 141), o mesmo ocorrendo em 1967, no art. 150 e 1989, no art. 153. Esse preceito rompe com uma tradição constitucional, através do qual compreende-se que, sem o direito à vida, não será possível o exercício dos demais direitos individuais.
Com a promulgação da Constituição de 1988, o direito positivo brasileiro, submergiu-se em uma temática jurídica completamente nova. A atual Carta Magna, no art. 5º, reconhece o direito à vida e abole a pena de morte, com exceção para tempos de guerra.
Ressalta-se que a dicção do art. 5º comete ao Estado a obrigação de garantir o direito à vida, pois segundo Rui Barbosa, garantia constitucional significa, toda defesa posta pela Constituição aos direitos especiais do indivíduo, consistindo em um sistema de proteção para a segurança da pessoa humana, da vida humana e da liberdade humana.[1] Garantir a inviolabilidade, pressupõe a ofensa por parte de terceiros. Por inviolabilidade deve-se entender intangibilidade, intocabilidade, aquele que não se pode infringir, que não se pode ou deve atacar, que deve estar ao abrigo de qualquer violência. Direito sagrado, portanto. Disto decorre a dificuldade de serem aprovados quaisquer projetos de lei visando à introdução do aborto, eutanásia, infanticídio ou outra forma de extinção da vida humana como a pena de morte, pois encontram óbice na garantia que a Carta Magna atribui à vida humana sem distinguir idade e condição do indivíduo.
Por outro lado, no plano normativo infraconstitucional a vida humana como bem jurídico é diretamente protegida no Código Penal através das proibições e dos mandatos implícitos no delito de homicídio e suas variantes (art. 121 parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º), no infanticídio (art. 123), no aborto (arts. 124, 125, 126, 127). A penalização que confere ao abandono das crianças (art. 134), à omissão de socorro (art. 135) aos delitos cometidos contra a saúde pública (arts. 267 a 285) e ao meio ambiente (arts. 14 e 16 da Lei n. 7.802, de 11 jul. 1989), contra a direção de veículo na via pública (art. 34 da Lei de Contravenções Penais) ou ao genocídio (art. 7º, I, d. Lei 8.072, de 25/07/1990), é uma forma indireta de proteção à vida humana.
Também cumprem uma função protetora o Código Civil (art. 4º) ou a legislação administrativa que regula a Lei do Trânsito e outras atividades perigosas, como a energia nuclear.
[Atualização do texto: No direito brasileiro, a vida encontra proteção no art. 2º do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” O recente diploma legal mantém a diretriz do art. 4º expresso no código revogado (Código Civil aprovado pela Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916): ‘‘A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos dos nascituros.” Faltou, portanto, ao legislador, galhardia suficiente para assumir o início da personalidade civil da pessoa humana, a partir do momento da concepção e, com esta atitude, contribuir para o desvendar de inúmeras questões estabelecidas a partir da utilização das terapias genéticas.]
A Constituição de 1988 abriu à jurisprudência um campo muito mais amplo e mais fecundo que aquele resultante de qualquer outra época. Contudo, a súplica do direito é uma solicitação de justiça, por sua vez necessária ao ser humano. E responder a tal solicitação é de uma dificuldade extrema por não existir talvez arte mais audaciosa que a arte do direito. À aparição de novas situações relacionadas à vida humana não contempladas pelo legislador, tem o direito brasileiro, através da jurisprudência, tentado responder às novas concepções do mundo.[2] Não se trata de olvidar o valor da lei positiva[3], mas de reconhecer que esse esforço por fazer justiça desenvolve-lhe uma flexibilidade e capacidade de reordenação, o que leva à conclusão de que os novos avanços biotecnológicos poderão, no direito nacional, ser assimilados e regulados de forma adequada. Não se crê proveitoso delegar a resolução de tais conflitos aos tribunais. Neste sentido, manifestou-se o Conselho de Estado Francês, em 1988, ao afirmar que preferia a lei a quaisquer outros procedimentos de elaboração do Direito, ao costume, à prática ou à jurisprudência”[4]
Quiçá mereça acentuar-se esse posicionamento lembrando que, na atualidade, os tribunais não estão adequadamente capacitados para resolver todas as questões no contexto do Direito existente, e o controle da experimentação de investigação não pode levar-se a cabo pelos tribunais sem referências legais específicas.[5]
Toda a polêmica sobre o caráter criador da jurisprudência não é mais que a transposição da polêmica sobre a igualdade de todos perante a lei, já que este caráter criador e evolutivo, desapega-se da interpretação de textos e códigos legais adequando o juiz a um novo papel distante da simples bouche qui prononce les paroles de la loi (Montesquieu, L’Espirit des lois, XI, 6), papel este de difícil acerto a partir do instante em que o magistrado não consegue desvencilhar-se dos propósitos de fazer a justiça igual para todos fixado que está em suas convicções morais, éticas ou religiosas.
3 O reconhecimento do direito à vida em âmbito internacional
Ainda que fosse considerado óbvia, encontra-se, em relação à proteção do direito à vida, no âmbito internacional, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, nos Estados Unidos, de 12 de junho de 1776, cujo art. 1º sentenciava que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos, dos que, quando entram em estado de sociedade, não podem privar ou dispor para sua posteridade por nenhum pacto, a saber: o gozo da vida e da liberdade.
Uma série de declarações designam o reconhecimento do direito à vida como um direito fundamental e inalienável, sendo a mais importante, a Declaração Universal dos Direitos Humanos que, em 1948, no seu art. 3º assume taxativamente o referido direito: Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa.[6]
A maior parte dos Pactos e Convênios Internacionais sobre direitos humanos, incluem menções ao direito à vida. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas de 16 de dezembro de 1966, em seu art. 6.1 assinala: O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deve ser protegido pela lei. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da vida.[7]
É evidente que o Pacto Internacional garante o direito à vida como norma de direito internacional frente aos Estados, obrigando a estes a sua proteção tanto em relação aos atos de seus próprios órgãos ou agentes como de particulares, mas continuam as incertezas quanto à proteção à vida do concebido ou à permissibilidade da eutanásia. Embora não haja nenhuma disposição direta, o art. 6.5 do Pacto proíbe a execução da pena de morte à mulher que esteja em estado de gravidez, num apelo claro, mas indireto, à proteção da vida do nascituro.[8]
O primeiro documento a expressar textualmente essa tutela foi a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) acordada pela Organização de Estados Americanos, em 22 de novembro de 1969, quando declara no parágrafo 1 do seu art. 4: Toda pessoa tem direito de que se respeite sua vida. Este direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. No parágrafo 5 indica que a pena de morte não será aplicada à mulher em estado de gravidez.[9] Aprecia-se, neste preceito, uma explícita defesa à vida humana em formação, muito embora não estejam excluídas as exceções.
Outro documento em favor da vida é a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Carta de Banjul) pois estatui no seu art. 4º que: A pessoa humana é inviolável. Todo ser humano tem direito ao respeito da sua vida e à integridade física e moral da sua pessoa. Ninguém pode ser arbitrariamente privado desse direito.[10]
VERIFICAR-CONFERIR- Em 4 de novembro de 1950, o Convênio Europeu Para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, adotado pelo Conselho da Europa, diz no seu art. 2º sobre o direito à vida: 1 O direito de toda pessoa à vida está protegido pela lei. Nada poderá ser privado de sua vida intencionadamente, salvo em execução de uma condenação que imponha pena capital ditada por um tribunal ao réu de um delito para o que a lei estabelece essa pena. 2 A morte não se considerará infligida com infração do presente artigo quando se produza como conseqüência de um recurso à força que seja absolutamente necessário: a) em defesa de uma pessoa contra uma agressão ilegítima, b) para deter a uma pessoa conforme o direito ou para impedir a evasão de um preso detido legalmente; c) para reprimir, de acordo com a lei, uma revolta ou insurreição.
O direito à vida sai da dimensão individual para a dimensão coletiva ao se colocar em defesa dos grupos de pessoas com certos caracteres comuns como a raça, a língua ou a religião. A Convenção sobre o Genocídio aborda este prisma. Em 18 de dezembro de 1982 a Assembléia Geral da ONU (Resolução n. 37/189-A) exprimiu a sua convicção de que todos os povos e todos os indivíduos tinham um direito inerente à vida e de que a salvaguarda desse direito era uma condição essencial para o gozo quer de direitos sociais e culturais, quer de direitos civis e políticos. Em 1982 e 1983 a Comissão dos Direitos do Homem da ONU repetiu a tese (Resolução 1982/7, de 19 de fevereiro de 1982; Resolução n. 1.983/43, de 9 de março de 1983).
O respeito ao princípio da soberania dos Estados e da não interferência em assuntos internos de outro Estado, vem produzindo uma série de questões a respeito da força obrigatória de tais documentos. Ramón Martín Mateo expõe a escassa operatividade da normativa internacional em matéria de direitos humanos, ao afirmar que o núcleo da questão consiste em precisar até que ponto se pode impor aos diferentes Estados firmantes das declarações, pactos e protocolos garantidores dos direitos humanos, sua aplicação interna e a exigência de seu cumprimento pelos cidadãos afetados.[11] De outro lado, Pedro Pinto Leite afirma que, antes de tudo, é hoje, o direito à vida, uma norma de Direito Internacional consuetudinário ou um princípio geral de Direito Internacional e tal como afirmou a Comissão de Direitos Humanos da ONU, é uma norma imperativa do Direito Internacional geral - jus cogens - conjunto de normas aceitas e reconhecidas pela comunidade internacional dos Estados, e ao qual nenhuma derrogação é permitida. [12]
Indiscutivelmente, os convênios e acordos geram obrigações jurídicas para os Estados firmantes e direitos e expectativas para seus súditos mas, a viabilidade de sua imposição coativa em caso de descumprimento, dependerá por sua vez de que as normas internacionais prevejam um procedimento adequado e um aparato responsável, sem o que os referidos preceitos podem ser importantes para o desenvolvimento de um sistema legal, mas de pouco interesse para os indivíduos que tenham seus direitos violados.
Questão importante, que se reproduz em todas as declarações e convênios internacionais, é a que se refere ao âmbito e conteúdo do direito à vida. Múltiplas controvérsias tentam esclarecer a situação dos nascituros, da disponibilidade da própria vida e suas repercussões na eutanásia ou no aborto voluntário. A Declaração Universal não se preocupou com esses temas já que, à época se fazia mister prevenir os abusos cometidos pelos Estados, como os atos de genocídio ou a experimentação em seres humanos.
A importância do Convênio Europeu radica sobretudo, em que existem procedimentos de controle diverso, inclusive o jurisdicional, sobre o respeito e violação dos direitos que proclama, cabendo destacar a criação da Comissão Européia de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, órgãos supranacionais e politicamente independentes a cujas decisões - que podem afetar as legislações nacionais - devem submeter-se os Estados que firmaram o Convênio, podendo-se dirigir diretamente ao referido Tribunal apresentando demanda contra seu Estado os particulares que se considerem vítimas da violação de alguns desses direitos por parte daquele (art. 25), uma vez que se tenham esgotado as vias jurisdicionais internas. Desta forma à Comissão têm chegado algumas demandas que direta ou indiretamente reclamam contra a violação do direito à vida reconhecido no Convênio por parte da legislação de seus respectivos Estados.[13]
[1] BARBOSA, Rui.
[2] Exemplos da jurisprudência serão apresentados no decorrer deste capítulo.
[3] Simplesmente se trata de recordar que o Direito excede necessariamente de la lei. ENTERRÍA, Eduardo García de. Reflexiones sobre la ley y los principios generales del derecho. 1. ed. reimp. Madrid : Civitas, 1996, p. 52. (Cuadernos Civitas).
[4] A respeito ver MIRALLES, Angela Aparisi, op. cit., p. 67.
[5] Sobre o tema, Eduardo García Enterría afirma que o juiz aplica ou particulariza, com efeito, leis prévias, mas en nessa função aporta, e não pode deixar de hacerlo, valores proprios, que não são, por suposto, nem podem ser, suposto o papel que ao juiz reserva o sistema e sua necessária submissão à lei que interpreta, de livre criação do Direito, mas que significam necessariamente um elemento inovador. Porque o Direito não é, nem pode sequer ser ainda que se pretendesse [...] o texto da lei e nada mais, sim a lei com toda sua textura de princípios e conceitos capazes de uma vida própria, vida própria que não a audácia do juiz e sua pretensão protagonista impulsam, sim que exige rigorosamente o funcionalismo da sociedade e a inserção en él de preceitos gerais e estáveis. A flexibilidade e a necessária matização na articulação social de interesses a qual o Direito serve, a exigência da justiça e dos demais valores que constituem a finalidade da ordem jurídica assim o impõem, de modo que resulta evidente que não será mais justa, nem mais fluída, nem mais funcional em nenhum sentido uma sociedade (aun si fuese simplesmente possível no terreno de los hechos, que no lo es) regimentada por normas prévias inequívocas e rígidas, que não permitam margem alguma à interpretação e matização dos juízes, frente a uma sociedade regida por normas articuladas com princípios gerais e com conceitos jurídicos cuja aplicação aos casos concretos de ditos princípios e conceitos e “descobridora”, em virtude desse manejo, de soluções novas, nunca petrificadas nem esgotadas. Ainda sobre a doutrina declaratória do Direito como função própria do juiz eis o pensamento de Blackstone: o juiz está limitado a decidir não segundo seu próprio juízo privado, mas sim de acordo com as leis e costumes conhecidos da terra; não é delegado para pronunciar um novo direito, mas para manter ou declarar o velho[5], ou este mais antigo de Bacon: Os juízes devem recordar que seu ofício é ius dare; interpretar o Direito e não fazer Direito ou dar Direito. ENTERRÍA, Eduardo García de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. 3. ed. reimp. Madrid : Civitas, 1994, p. 224.
[6] Adotada e proclamada pela Assembléia Geral das nações Unidas na sua Resolução 217-A (III), de 10 de dezembro de 1948. Internet: http://www.gddc.pt/pt/dh/ijdh/ptdh1.htm.
[7] Adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela Assembléia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 2.200-A (XXI), de 16 dez. 1966. Entrada em vigor na ordem internacional em 23 mar. 1976, de acordo com o disposto no art. 49º. Internet: http://www.gddc.pt/pt/dh/ijdh/ptdh3.htm.
[8] art. 6.5 Uma sentença de morte não pode ser pronunciada em casos de crimes cometidos por pessoas de idade inferior a 18 anos e não pode ser executada sobre mulheres grávidas.
[9] Internet: http://dhnet.org.br/direitos/sip1/oeasjose.htm.
[10] Aprovada em janeiro de 1981 e adotada pela XVIII Assembléia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana em Neiróbi, Quênia, em 27 jul. 1981. Internet: http://utopia.com.br/~anistia/textos/banjul.html.
[11] MATEO, Ramón Martín. Bioética y derecho. Barcelona : Ariel. , 1987, p. 79-80.
[12] LEITE, Pedro Pinto. O direito internacional e os direitos do povos. Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 109, p. 185-186, jan./mar./1991.
[13] Um varão norueguês contra a Noruega impugnou a Lei noruega de 1960 que permitia o aborto e um austríaco, impugnou a reforma do Código Penal austríaco despenalizadora do aborto voluntário durante os três meses da gestação. Ambas demandas foram recusadas por inadmissibilidade, por não poder ser considerados prejudicados os demandantes conforme exige o Convênio. É interessante mencionar que o Tribunal austríaco, em sua sentença sobre a constitucionalidade da despenalização do aborto voluntário, em 11 de outubro de 1974, declarou que o art. 2.1 do Convênio Europeu não protege a vida do concebido. Por outro lado, foram admitidas as demandas apresentadas posteriormente nos casos Brüggemann and Scheuten versus Federal Republic of Germany, decisão de 12 de julho de 1975 e Paton versus United Kingdom, decisão de 13 de maio de 1980. No primeiro, os atuantes impugnavam a sentença do Tribunal alemão e a reforma do Código Penal sobre o aborto. Alegavam a violação do art. 8.1 do Convênio, que declara o direito ao respeito da vida privada e familiar. Em síntese, foi desestimada, porque a Comissão entendeu que não se atentava no caso contra aquele direito, ainda que admitiu que o referido artigo não pode ser interpretado no sentido de que a gravidez e sua terminologia sejam matéria exclusiva da vida privada da mãe. No segundo caso um pai impugnava a legislação inglesa que permitiu à sua esposa abortar sem o seu consentimento, apoiando-se em vários artigos do Convênio, entre eles o art. 8º e o 2.1, os únicos sobre os que se pronunciou a Comissão, desestimando também finalmente a demanda. Quanto ao direito à vida, utilizou várias razões, ainda que não chegou a entrar na questão de se o Convênio protege ou não a vida do feto, do que se deduz o desejo de evitar pronunciar-se a respeito, preferindo sua remissão aos direitos internos, se bem pode entender-se que tenha deixado aberta a questão até certo ponto e assentado bases para futuras decisões. ROMEO CASABONA, Carlos María. El derecho y la bioética ante los límites de la vida humana. Madrid : Ramón Areces, 1994, p. 55.