Natureza jurídica do corpo humano
Professora Sílvia Mota
Fala-se na pessoa dissociada de sua vontade, de seu raciocínio, de seus direitos fundamentais, mas não se pode desvincular a pessoa de seu corpo. Um não existe sem o outro, fundem-se em uma única entidade, são um só. A personalidade do indivíduo não é separável de seu corpo nem de seus prolongamentos, tal o direito moral de autor.
Jean Carbonier (1979, v. 1 p. 221) deslinda ser o corpo humano o substratum da pessoa: "[...] o corpo humano estrutura a pessoa pois o louco e a criança não deixam de ser pessoas apesar de estarem desprovidos de vontade e, por outro lado, a vontade não se evidencia jamais sem estar ligada a um corpo [...]."
Estuda-se o corpo e sua proteção no recinto destinado aos direitos da personalidade, mas percebe-se um certo fracionamento no que soa aos direitos inteiramente vinculados ao corpo humano, tais o direito à vida e à integridade física, medrados, em nossos dias, em razão das melhorias oferecidas ao homem pelas experiências científicas no campo da nova medicina.
Jean Carbonnier (1979, v. 1, p. 221-222) salienta que a identificação da pessoa com o corpo humano atribui a este uma colocação peculiar no âmbito jurídico: o caráter da sacralidade, que o torna inviolável. Em consequência, ninguém pode sofrer um atentado contra seu próprio corpo, mesmo que este se justifique pelo interesse legítimo de outra pessoa e, caso isto ocorra, a pessoa tem direito a uma indenização pecuniária para reparar o prejuízo que sofreu.
Abordando o campo patrimonial, é pensamento de Guillermo Cabanellas Torres (1983, p. 77) que, ressalvadas as aberrações transitórias como a escravidão, nas quais coisa não se contrapõe a pessoa, não se deve classificar o corpo humano dentro do comércio. O corpo de uma pessoa viva não é coisa já que está fora de toda medida de valor.
Como se vê, a alguns autores ainda repugna o conceito do corpo como algo que pertence à pessoa, que a pessoa tem e que pode lhe gerar proveitos. Mas os conceitos não se repelem, anuncia Daisy Gogliano (1986, p. 58), pois corpo é algo que a pessoa é e algo que a pessoa tem; nenhuma das assertivas contraria a natureza das coisas.
Referências
CABANELLAS TORRES, Guillermo. Dicionário jurídico elemental. Buenos Aires: Heliasta, 1983. 344 p.
CARBONNIER, Jean. Droit civil: 1- introduction, les personnes. 12. éd. Paris: Universitaires de France, v. 1, 1979. 408 p. (Thémis, droit).
GOGLIANO, Daisy. O direito ao transplante de órgãos e tecidos humanos. São Paulo, 1986. 306 p. Dissertação (Mestrado)-Universidade de São Paulo. Faculdade de Direito, São Paulo, 1986.