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- SAÚDE -
DIREITO FUNDAMENTAL OU DIREITO HUMANO?

Professora Sílvia M. L. Mota

Breves antecedentes do Direito à Saúde

Na área da Saúde, os Conselhos encontram seu antecedente mais remoto em 1937, quando a Lei nº 378, de 13 de janeiro, "[...] dá nova organização ao Ministério da Educação e Saúde", instituindo o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e dando-lhe a atribuição de, junto com o Conselho Nacional de Educação, assistir o Ministério.

Em 1970, após mais de 30 anos de funcionamento irregular e inexpressivo, o CNS entra numa segunda etapa, quando o Decreto nº 67.300 de 1970 lhe atribui escopo, funções e estrutura mais definidas, procurando compatibilizá-lo com o processo de modernização conservadora em andamento no país. Na área da Saúde, tal processo apontava para uma acelerada medicalização e privatização. Acompanhando o padrão da época, vigente em outras áreas de políticas públicas, o novo Conselho de Saúde ganha uma composição que simultaneamente assegura a presença de atores privilegiados no projeto hegemônico e garante o controle do governo sobre o seu funcionamento.

O Decreto mencionado define o CNS como órgão de consulta, integrante do Ministério, a quem "[...] compete examinar e emitir parecer sobre questões ou problemas relativos à promoção, proteção e recuperação da saúde, que sejam submetidos à sua apreciação pelo Ministro de Estado, bem como opinar sobre matéria que, por força de lei, tenha que ser submetida à sua apreciação."

Além do Ministro, seu presidente nato, é composto por 15 conselheiros, divididos em quatro categorias: cinco membros natos, destinados aos ocupantes dos cargos de Secretário Geral, Secretário de Saúde Pública, Secretário de Assistência Médica, Superintendente da Fundação de Serviços de Saúde Pública e o Presidente da Fundação Oswaldo Cruz; quatro membros designados pelo Ministro, escolhidos em lista tríplice apresentada pelas seguintes instituições: Academia Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Medicina Militar, Academia Nacional de Farmácia e Academia Brasileira de Administração Hospitalar; cinco membros escolhidos pelo Ministro, entre técnicos de notória capacidade e comprovada experiência em assuntos de saúde; um membro indicado pelo Estado Maior das Forças Armadas.

Como se vê, doze dos dezesseis membros do Conselho eram diretamente escolhidos pelo Poder Executivo que, de resto, escolhia também os outros quatro entre os nomes oferecidos pelas entidades. A ideia da participação da sociedade através de representações autônomas de seus setores organizados passava longe do CNS de então. Sua representatividade controlada não alcançava senão uma elite médica, provavelmente interessada e, portanto, útil para parametrar o processo de medicalização/privatização então vigente. Embora considerasse como colaboradoras do CNS algumas das entidades nacionais representativas do setor, o Decreto assinado pelo Presidente Medici e pelo Ministro Rocha Lagoa procura oferecer ao CNS um papel de legitimador da política predominante. Caracteriza-se o CNS de então como órgão técnico com funções normativas, enquanto sua legitimidade funda-se no próprio Estado, na medida em que seus membros, direta ou indiretamente, dependem da indicação dos detentores do Poder Executivo.

Nas duas décadas seguintes, o perfil técnico normativo do CNS aprofundou-se através de diversos decretos e portarias.

Em 1975, a Lei n.º 6.229 instituiu o Sistema Nacional de Saúde que consolidou o Sistema Nacional de Saúde na sua dicotomia de práticas, órgãos e clientelas, consolida também o CNS como uma espécie de coletivo de Câmaras Técnicas, a quem "[...] compete examinar e propor soluções para problemas concernentes a promoção, proteção e recuperação da saúde e elaborar normas através de suas câmaras técnicas, sobre assuntos específicos a serem encaminhados à apreciação do Ministro de Estado." Em 1976, o Decreto nº 79.056 de 1976 regulamentou o referido diploma.

As Portarias nº 360 de 1977 e nº 204 de 1978 dotam o CNS da estrutura técnica e administrativa necessárias ao seu funcionamento como órgão consultivo com atribuições normativas. São consolidadas as Câmaras Técnicas, em número de seis, a saber: Entorpecentes e Tóxicos, Hemoterapia, Alimentos, Saneantes domissanitários, Cosméticos e Medicamentos. Cria-se a Secretaria-Executiva com atribuições e meios para o suporte administrativo das atividades do CNS.

A composição do CNS é também alterada, passando a expressar com mais ênfase sua função técnico-normativa e sua baixa representatividade social. As Câmaras Técnicas ganharam peso e seus Presidentes, escolhidos pelo Presidente do Conselho que era o próprio Ministro, passaram a ter assento na Plenária do CNS, seu órgão deliberativo. Os membros institucionais foram ampliados, passando a incluir representantes dos Ministérios da Educação e Cultura, do Interior, da Previdência e Assistência Social, da Agricultura e do Trabalho, sendo que os demais deveriam ser indicados pelo Ministro. Os 23 membros do Conselho tinham então a seguinte distribuição: seis representantes ministeriais; seis Presidentes de Câmaras Técnicas; seis membros de "instituições relacionadas com a saúde e com a segurança nacional", indicados pelo Ministro; cinco "técnicos de notória capacidade e comprovada experiência em assuntos de interesse da saúde", indicados pelo Ministro.

À exceção dos representantes de outros Ministérios, todos os conselheiros eram indicados pelo Ministro da Saúde, sendo praticamente cargos de sua confiança. Na verdade, também nesse período que se prolongou de 1970 a 1990, o Conselho Nacional de Saúde pouca importância teve para a vida setorial. Manteve um funcionamento quase vegetativo, à margem das convulsões que marcaram a década de 80, quando o processo político-institucional no setor saúde desenvolvia-se em direção a uma radical reformulação.

Neste interim, o Decreto n.º 94.657, de 20 de julho de 1987, criou os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde nos Estados (SUDS), sob a pretensão de passar aos Estados e, por meio destes, aos Municípios, as ações de saúde.

A Constituição Federal de 1988, nos arts. 196 a 200 tratou da saúde, como espécie da Seguridade Social. O inciso II do art. 23, do mesmo diploma, atribui competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para cuidar da saúde e da assistência pública. O inciso XII do art. 24 da Constituição estabelece competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal sobre a proteção e defesa da saúde. A União irá estabelecer normas gerais (parágrafo 1o do art. 24).

A Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990, revoga a Lei n.º 6.229/1975, passando a tratar da saúde. Ainda em 1990, a Lei n.º 8.689, de 27 de julho de 1993, extinguiu o Inamps, cujas funções, competências, atividades e atribuições foram absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com as respectivas competências, critérios e demais disposições das Leis n.ºs 8.080, de 19 de setembro de 1990 e 8.142, de 28 de dezembro de 1990 (parágrafo único do art. 1o da Lei n.º 8.689).

Após a extinção do INAMPS, a União, através do Orçamento da Seguridade Social, obriga-se a garantir ao SUS, permanentemente e sem prejuízo da participação dos recursos do Orçamento Fiscal, o aporte anual de recursos financeiros equivalente, no mínimo, à média dos gastos da autarquia nos últimos cinco exercícios fiscais (art. 14 da Lei n.º 8.689).

Quando, em agosto de 1990, o Decreto 99.438/1990 criou um novo Conselho Nacional de Saúde, o antigo praticamente não mais existia, assim como o papel para o qual foi concebido não se enquadrava à nova conjuntura.

Assim é que os atuais Conselhos de Saúde pouco têm em comum com o velho CNS, guardando com ele uma linha mais de ruptura do que de continuidade. A ancestralidade mais imediata desses órgãos está em época bem mais recente, meados dos anos 70, e referida a padrões de ação política diferentes.

Direito fundamental ou direito humano

No entender de Ricardo Lobo Torres, os direitos fundamentais são direitos da liberdade, que corresponderiam à positivação da liberdade, valor humano básico, anterior e superior à constituição do Estado.

No sentido filosófico da expressão, dizer que os direitos são fundamentais serve para ressaltar que se referem àqueles direitos mínimos devidos a cada ser humano, pelo simples fato de existirem, outorgados conforme o desenvolvimento cultural e histórico de cada sociedade. Mas, na contemporaneidade, usa-se fundamentais para aludir-se aos direitos que, apesar de serem aqueles que o homem deve gozar, só aparecem como fundamentais uma vez que o direito positivo os reconhece e acolhe em sua positividade. Entende-se, portanto, que se tal é a acepção deste adjetivo, existem e devem existir direitos humanos antes e fora do direito positivo, mas não há direitos fundamentais senão a partir do momento em que são positivados.

De um lado, são os direitos fundamentais elementos essenciais de cada ordenamento jurídico nacional e de outro, ultrapassam esse sistema. Devem contemplar os direitos humanos que, por terem uma validade universal independem de qualquer positivação. Os direitos humanos impõem-se a cada ordem jurídica.

A expressão direitos fundamentais do homem é reservada, segundo José Afonso da Silva, para designar, na seara do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

A doutrina germânica distingue direitos humanos e direitos fundamentais (Gundrechte). Os últimos seriam os direitos humanos reconhecidos como tal pelas autoridades às quais se atribui o poder político de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos positivados nas constituições, nas leis, nos tratados internacionais. Essa concepção arrisca que falsos direitos humanos (certos privilégios da maioria dominante), sejam, da mesma forma, inseridos na Constituição, ou consagrados em convenção internacional, sob a denominação de direitos humanos. Essa constatação nos conduz, necessariamente, à busca de um fundamento mais profundo do que o simples reconhecimento estatal para a vigência desses direitos.

Pode-se dizer, por conseguinte, que o direito à saúde é um direito fundamental do ser humano e que se torna imprescindível detectar o fundamento para a sua vigência além da organização estatal. Isto poderá ocorrer através da consciência ética coletiva, a convicção, longa e largamente estabelecida na comunidade, de que a dignidade da condição humana exige o respeito a determinados bens ou valores em quaisquer circunstâncias, ainda que não reconhecidos no ordenamento jurídico nacional ou em documentos normativos internacionais.

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CAMPOS, German J. Bidart; HERRENDORF, Daniel E. Princípios de derechos humanos y garantias. Buenos Aires: Ediar, 1991.

COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. e ampl. De acordo com a nova Constituição. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 1994.

TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo. Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 25/06/2012
Alterado em 01/01/2017
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