Em 1871 escreve uma série de poemas satíricos sobre as pessoas de São Luís e perde o emprego de amanuense (copista de textos à mão). Segue para o Rio (1873), onde desempenha a função de tradutor de folhetins e revisor de "A Reforma", época em que se torna conhecido por sua veia poética humorística. Ao escrever para o teatro alcança grande sucesso com as peças "Véspera de Reis" e "A Capital Federal". Funda a revista "Vida Moderna", na qual suas crônicas tornam-se bastante populares.
Artur de Azevedo, ao prosseguir a obra de Martins Pena, consolida a comédia de costumes brasileira, sendo no país o principal autor do Teatro de revista, em sua primeira fase. Da sua atividade jornalística intensa, nasce a publicação de uma série de revistas especializadas, além da fundação de alguns jornais cariocas. O escritor era irmão mais velho de Aluísio Azevedo, autor de "O Cortiço" e "O Mulato".
Morre em 22 de outubro de 1908, na cidade do Rio de Janeiro.
A AMA-SECA
O Romualdo, marido de D. Eufêmia, era um rapaz sério, lá isso era, e tão incapaz de cometer a mais leve infidelidade conjugal como de roubar o sino de São Francisco de Paula; mas - vejam como o diabo as arma! Um dia D. Eufêmia foi chamada, a toda a pressa, a Juiz de Fora, para ver o pai que estava gravemente enfermo, e como o Romualdo não podia naquela ocasião deixar a casa comercial de que era guarda-livros (estavam a dar balanço), resignou-se a ver partir a senhora acompanhada pelos três meninos, o Zeca, o Cazuza, o Bibi, e a ama-seca deste último, que era ainda de colo.
Foi a primeira vez que o Romualdo se separou da família. Custou-lhe muito, coitado, e mais lhe custou quando, ao cabo de uma semana, D. Eufêmia lhe escreveu, dizendo que o velho estava livre de perigo, mas a convalescença seria longa, e o seu dever de filha era ficar junto dele um mês pelo menos.
O Romualdo resignou-se. Que remédio!...
Durante os primeiros tempos saía do escritório e metia-se em casa, mas no fim de alguns dias entendeu que devia dar alguns passeios pelos arrabaldes, hoje este, amanhã aquele. Era um meio, como outro qualquer, de iludir a saudade.
Uma noite coube a vez ao Andaraí Grande. O Romualdo tomou o bonde do Leopoldo, e teve a fortuna ou a desgraça de se sentar ao lado da mulatinha mais dengosa e bonita que ainda tentou um marido, cuja mulher estivesse em Juiz de Fora.
Nessa noite fatal a virtude do Romualdo deu em pantanas: tencionando ele ir até o fim da linha, como fazia todas as noites, apeou-se na Rua Mariz e Barros, ali pelas alturas da Travessa de São Salvador. A mulata havia se apeado algumas braças antes.
E ele viu, à luz de um lampião, o vulto dela saltitante e esquivo, e apressou o passo para apanhá-la, o que conseguiu facilmente, porque, pelos modos, ela já contava com isso.
- Boa noite!
- Boa noite.
- Como se chama?
- Antonieta.
- Pode dar-me uma palavra?
- Por que não falou no bonde?
- Era impossível... estava tanta gente... e estes elétricos são tão iluminados.
- Mas o sinhô bolinou que não foi graça! vamos, diga: que deseja?
- Desejo saber onde mora.
- Não tenho casa minha; tou empregada numa famia ali mais adiente, por siná que não stou satisfeita, e ando procurando outra arrumação.
- Onde poderemos falar em particular?
- Não sei.
- Você sai amanhã à noite?
- Amanhã não, porque saí hoje, e não quero abusá.
- Então, depois de amanhã?
- Pois sim.
- Onde a espero?
- Onde o sinhô quisé.
- Na Praça Tiradentes, no ponto dos bondes. As oito horas.
- Na porta do armazém do Derby?
- Isso!
- Tá dito! Inté depois d'amanhã às oito hora.
- Não falte!
- Não farto não!
No dia seguinte, o Romualdo contou a sua aventura a um companheiro de escritório que era useiro e vezeiro nessas cavalarias... baixas, e o camarada levou a condescendência ao ponto de confiar-lhe a chave de um ninho que tinha preparado adrede para os contrabandos do amor.
Antonieta foi pontual; à hora marcada lá estava à porta do Derby, com ares de quem esperava o bonde.
O Romualdo aproximou-se, fez um sinal, afastou-se e ela seguiu-o...
Dez dias depois, estava ele arrependidíssimo da sua conquista fácil, e com remorsos de haver enganado D. Eufêmia, aquela santa! Procurava agora meios e modos de se ver livre da mulata, cuja prosódia era capaz de lançar água na fervura da mais violenta paixão.
Vendo que não podia evitá-la, tomou o Romualdo a deliberação de fugir-lhe, e uma noite deixou-a à porta do ninho, esperando debalde por ele. Lembrou-se, mas era tarde, que havia prometido dar-lhe uni anel, justamente nessa noite.
- Diabo! pensou ele, Antonieta vai supor que lhe fugi por causa do anel!
Voltou, afinal, D. Eufêmia de Juiz de Fora. Veio no trem da manhã, inesperadamente, e já não encontrou o marido em casa.
Estava furiosa, porque a ama-seca de Bibi deixara-se ficar na estação da Barra. Podia ser que não fosse de propósito. O mais certo, porém, era o ter sido desencaminhada por um sujeito que vinha no trem a namorá-la desde Paraíbuna.
Quando D. Eufêmia contou isso ao marido, acrescentou indignada:
- Que homens sem-vergonha!... Não podem ver uma mulata!...
O Romualdo perturbou-se, mas disfarçou, perguntando:
- E agora? E preciso anunciar! Não podemos ficar sem ama-seca!
- Já mandei o Zeca pôr um anúncio no Jornal do Brasil.
No dia seguinte, o Romualdo saiu muito cedo; ao voltar para casa, a primeira coisa que perguntou à senhora foi:
- Então? Já temos ama-seca?...
- Já; é uma mulatinha bem jeitosa, mas tem cara de sapeca. Chama-se Antonieta.
- Hem? Antonieta?
- Que tens, homem?
- Nada; não tenho nada... E jeitosa?... Tem cara de sapeca?... Manda-a embora! Não serve! Nem quero vê-la!...
- Ora essa! Por quê? Olha, ela aí vem.
Antonieta chegou, efetivamente, com o Bibi ao colo; mas o Romualdo tinha fechado os olhos, dizendo consigo:
- Que escândalo!... rebenta a bomba!... este diabo vai reclamar o anel!
Mas como nada ouvisse, o mísero abriu os olhos e - oh! milagre! - era outra Antonieta!
Ele pensou, os leitores também pensaram que fosse a mesma; não era.
Decididamente, há um Deus para os maridos que enganam as suas mulheres.