Manuel Maria Barbosa du Bocage
Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, no dia 15 de Setembro de 1765. Neto de Almirante francês que viera organizar a nossa marinha, filho do jurista José Luís Barbosa e de Mariana Lestoff du Bocage, cedo revelou sua sensibilidade literária, que um ambiente familiar propício incentivou. Aos 16 anos assentou praça no regimento de infantaria de Setúbal e aos 18 alistou-se na Marinha, tendo feito o seu tirocínio em Lisboa e embarcado, posteriormente, para Goa, na qualidade de oficial.
Em rota para a Índia, no ano de 1786, a bordo da nau "Nossa Senhora da Vida, Santo António e Madalena", passou pelo Rio de Janeiro, onde se encontrava o futuro Governador de Goa. Nesta cidade, teve oportunidade de conhecer e de impressionar a sociedade, tendo vivido na Rua das Violas, cuja localização é atualmente desconhecida.
Em outubro de 1786, chegou finalmente ao Estado da Índia. A sua estadia neste território caracterizou-se por profunda desadaptação. Com efeito, o clima insalubre, a vaidade e a estreiteza cultural que aí observou, conduziram a um descontentamento que retratou em alguns sonetos de caráter satírico.
Nomeado, na qualidade de segundo Tenente, para Damão, de imediato reagiu, desertando. Percorreu, então, as sete partidas do mundo: Índia, China e Macau, nomeadamente. Regressou a Portugal em Agosto de 1790. Na capital, vivenciou a boemia lisboeta, frequentou os cafés que alimentavam as ideias da revolução francesa, satirizou a sociedade estagnada portuguesa, desbaratou, por vezes, o seu imenso talento. Em 1791, publicou o primeiro tomo das Rimas, ao qual se seguiram ainda dois, respectivamente, em 1798 e em 1804. No início da década de noventa, aderiu à "Nova Arcádia", associação literária controlada por Pina Manique, que metodicamente fez implodir. Efetivamente, seus conflitos com os poetas que a constituíam tornaram-se frequentes, sendo visíveis em inúmeros poemas cáusticos.
Em 1797, Bocage foi preso por, na sequência de uma rusga policial, lhe terem sido detectados panfletos apologistas da revolução francesa e um poema erótico e político, intitulado "Pavorosa Ilusão da Eternidade", também conhecido por "Epístola a Marília".
Encarcerado no Limoeiro, acusado de crime de lesa-majestade, moveu influências, sendo entregue à Inquisição, instituição que já não possuía o poder discricionário que anteriormente tivera. Em Fevereiro de 1798, foi entregue pelo Intendente Geral das Polícias, Pina Manique, ao Convento de S. Bento e, mais tarde, ao Hospício das Necessidades, para ser "reeducado". Naquele ano foi finalmente libertado.
Em 1800, iniciou a tarefa de tradutor para a Tipografia Calcográfica do Arco do Cego, superiormente dirigida pelo cientista Padre José Mariano Veloso, auferindo 12.800 réis mensalmente.
A saúde sempre frágil ficou cada vez mais debilitada, devido à vida pouco regrada que levara. Em 1805, com 40 anos, faleceu na Travessa de André Valente em Lisboa, perante a comoção da população em geral. Foi sepultado na Igreja das Mercês.
A literatura portuguesa perdeu um dos seus mais lídimos poetas e uma personalidade plural, que, para muitas gerações, encarnou o símbolo da irreverência, da frontalidade, da luta contra o despotismo e de um humanismo integral e paradigmático.
Texto adaptado: Fonte de pesquisa
Soneto da Amada Gabada
Bocage
Se tu visses, Josino, a minha amada,
Havias de louvar o meu bom gosto;
Pois seu nevado, rubicundo rosto,
Às mais formosas não inveja nada:
Na sua boca Vénus faz morada:
Nos olhos Cupido as setas posto;
Nas mamas faz Lascívia o seu encosto,
Nela enfim tudo encanta, tudo agrada:
Se a Ásia visse coisa tão bonita
Talvez lhe levantasse algum pagode
A gente, que na foda se exercita!
Beleza mais completa haver não pode:
Pois mesmo o cono seu, quando palpita,
Parece estar dizendo: "Fode, fode!"
Soneto da Escultura Escandalosa
Bocage
Esquentado frisão, brutal masmarro
Girava em Santarém na pobre feira;
Eis que divisa ao longe em couva ceira
Seus bons irmãos seráficos de barro:
O bruto, que arremeda um boi de carro
Na carranca feroz, parte à carreira,
Os sagrados bonecos escaqueira,
E arranca de ufania um longo escarro:
N'alma o santo furor lhe arqueja, e berra;
Mas vós enchei-vos de íntimo alvoroço,
Povos, que do burel sofreis a guerra:
Que dos bonzos de barro o vil destroço
É presságio talvez de irem por terra
Membrudos fradalhões de carne e osso!
Soneto da Donzela Ansiosa
Bocage
Arreitada donzela em fofo leito,
Deixando erguer a virginal camisa,
Sobre as roliças coxas se divisa
Entre sombras subtis pachocho estreito.
De louro pêlo um círculo imperfeito
Os papudos beicinhos lhe matiza;
E a branda crica nacarada e lisa,
Em pingos verte alvo licor desfeito.
A voraz porra, as guelras encrespando,
Arruma a focinheira, e entre gemidos
A moça treme, os olhos requebrando.
Como é inda boçal, perder os sentidos;
Porém vai com tal ânsia trabalhando,
Que os homens é que vêm a ser fodidos.
Fonte de pesquisa:
http://www.dominiopublico.gov.br