"Efeito Werther" em suicídios românticos
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
O suicídio é tema recorrente na Literatura Mundial. A partir de relatos verdadeiros ou fictícios, o amor impossível e/ou não correspondido é um dos enfoques eleitos por aqueles que buscam a morte voluntária.
No século XVIII, em 1774, publica-se pela primeira vez “Os sofrimentos do jovem Werther” (Die Leiden des jungen Werthers), uma das mais importantes obras de Johann Wolfgang von Goethe, que relata o suicídio de Werther - jovem poeta, sensível e impressionável, de natureza fogosa - em sequência ao desespero de paixão impossível por Charlotte, mulher casada.
Marco inicial do romantismo, contemplado por muitos estudiosos como obra-prima da literatura universal, trata-se de um dos primeiros frutos intelectuais de Goethe, com matiz autobiográfico. Na vida real, Goethe vive um desditoso amor com Charlotte Buff, a segunda dos onze filhos de balio Heinrich Adam Buff. Goethe apaixona-se pela moça, mas ciente da impossibilidade de concretizar seu romance, seis meses depois abandona a cidade, da mesma forma que o fará Werther ao final da primeira parte da obra. Charlotte jamais perdoou Goethe pela publicação da obra, pois a proximidade das ocorrências não passara despercebida pela sociedade alemã. Quando Goethe morre, em 1832, em Weimar, Charlotte que reside na mesma cidade, solicita ao prefeito que o cortejo fúnebre seja desviado, para não passar frente à sua casa (GOETHE, 2006, p. 9).
Na obra em destaque, o conjeturado Werther envia por um longo tempo inúmeras cartas ao narrador que, na própria obra, pelo meio de notas de rodapé, cuida de informar que nomes e lugares estão modificados, além de sobrepor algumas partes fictícias, extremadas ao trágico final. A relevância da obra decorre, sobretudo, da dimensão social que adquire e do poder de representatividade em relação ao movimento intelectual alemão do final do século XVIII (OLIVEIRA, p. 8).
O conteúdo temático e a forma com que se desenvolve a história do jovem e apaixonado vate repercute na sociedade, de forma intensa.
Em uma das suas cartas, lacrimeja o jovem poeta: “Já não há remédio... vês caro amigo... assim vão as coisas comigo... Já não posso suportar tantos males por mais tempo.” (GOETHE, 2006, p. 128).
Dias depois se dirige à Carlota: “Finalmente um pensamento se apoderou de mim e agora está arraigado no meu coração: eu quero morrer...” (GOETHE, 2006, p. 138).
Ao concretizar seu gesto fatal, a linguagem utilizada por Werther é eloquente: “Ó Carlota! eu tomo com firmeza na minha mão este cálice frio e terrível em que devo beber a vertigem da morte. Tu mesma mo apresentas e eu o recebo sem tremer. Todos os meus votos, todas as esperanças da minha vida estão completas! Vou, de sangue frio, bater à bronzeada porta da morte!” (GOETHE, 2006, p. 161).
O tempo desafia a meia-noite, quando suas últimas palavras ecoam sob a forma de um adeus à amada: “[...] eu parto, pois... Carlota! Carlota! Adeus! Adeus!” (GOETHE, 2006, p. 162).
Ao silêncio que se impõe: “Um vizinho viu o clarão da pólvora e ouviu o tiro; porém, tendo ficado tudo em sossego, não lhe causou cuidado” (GOETHE, 2006, p. 162). O romântico Werther em ato tenso e de auto-superação acaba por cometer o suicídio. Não morre seguidamente à tresloucada ação. Ao amanhecer, seu criado encontra-o ensanguentado no chão. Chamado o médico, nada mais é possível fazer. Morre ao meio-dia.
Werther é enterrado no local que seu desejo indicara: “Há no fundo do cemitério duas tílias, ao canto, do lado da campina; é ali que desejo descansar.” (GOETHE, 2006, p. 161). O corpo morto “[...] foi conduzido por trabalhadores e nenhum eclesiástico o acompanhou” (GOETHE, 2006, p. 164).
Defende Werther ao longo da obra, que um suicídio não é simplesmente um ato de fraqueza, mas o transbordamento do seu próprio “fogo interior”, comparável à loucura ou mesmo a uma revolução social.
O suicídio de Werther inspira-se no suicídio verídico de Karl Wilheim Jerusalem, ocorrido em 1773, conhecido tanto de Goethe como de Christian Kestner, marido de Charlotte Buff. Karl assenta uma bala na cabeça em decorrência de infeliz amor não correspondido pela esposa de um amigo.
A morte de Werther ostenta natureza heroica, pois se o amor é compreendido como um ideal, o mundo sem a presença do idealizado amor torna-se inabitável.
A partir do evento mortuário, os jovens passam a vestir-se da mesma forma que Werther, “ao estilo britânico” – casaco azul até os joelhos, colete de couro amarelo, calças de montaria e botas altas. Cria-se, então, um ícone do suicídio romântico. Desencadeiam-se numerosos suicídios de jovens, que se utilizam do método empregado por Werther, além de deixarem à vista, no leito de morte, um exemplar da obra.
Por tão grave a edificação dos suicídios, veda-se a revelação da genialidade advinda de Goethe em países como a Alemanha, Itália e Dinamarca. Em Portugal, desde o século XVI, exerce-se rigoroso controle sobre os livros que entram em suas terras ou que se pretendem publicados em português, por meio de organismos de censura mantidos pelo Estado e pela Igreja. Sendo assim, a obra que se perfaz no objeto deste artigo, é uma das que se tenta evitar, a todo custo, que ingresse nos domínios portugueses (ABREU, p. 138). No Brasil, o livro também causa furor ao enfrentar organismos de censura instalados no Rio de Janeiro devido à transferência da Família Real (ABREU, p. 150). Abolido em Portugal e após receber dois ditames negativos no Rio de Janeiro, o engenho de Goethe não logra êxito de ser admitido em terras brasileiras, por vias legais.
Ainda que Goethe não se entenda responsável pelo conjecturado aumento das mortes voluntárias, em edição posterior acresce um poema ao final da narrativa, no qual o fantasma de Werther recomenda ao leitor que não lhe acompanhe o exemplo.
Relembra Goethe (1971) em suas Memórias que no contexto social da época os jovens alemães vivem em ambiente mórbido, sem objetivos claros, sem oportunidade de produzir grandes ações e alimentados por sentimentos lúgubres provenientes, sobretudo, da leitura de obras literárias inglesas, como Night Thoughts, de Edward Young. Esses poemas, publicados originalmente na Inglaterra entre 1742 e 1745, conhecem extraordinária circulação a partir da tradução francesa em prosa. Diz-se que tais poemas inspiram-se na morte da esposa e de dois enteados de Young, o que o leva a abandonar o mundo para viver retirado e solitário, a compor poemas sobre temas tristes e lutuosos como “[...] a morte, a volúpia das lágrimas, a insignificância dos prazeres e da vida mundana, o gosto pelas ruínas, pelos túmulos iluminados pela lua e pelas paisagens desoladas.” (ABREU, p. 133).
Alcançado o século XX, David Philips utiliza o termo “Efeito Werther” para denominar os suicídios nascidos da imitação ou do contágio.
Após este breve estudo, quedo-me a elucubrar se histórias como esta tenham inspirado as diretrizes da Organização Mundial da Saúde sobre o modo de noticiar os suicídios. Trata-se da obra “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da Mídia” (OMS, 2000), abaixo disponibilizada.
Referências
ABREU, Márcia. “Effluvios pestíferos da perversidade do século”: leituras de Werther no mundo luso-brasileiro. Revista de Letras, São Paulo, v. 46, n. 2, p. 131-162, jul./dez. 2006.
GOETHE, Johann Wolfgang von. Memórias: poesia e verdade. Tradução
de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1971. 2 v.
GOETHE, Johann Wolfgang von. Os sofrimentos do jovem Werther. Tradução: Anônima. Introdução: Oliver Tolle. São Paulo: Hedra, 2006. 164 p.
OLIVEIRA, Igor Fernandes Viana de. Essas “odiosas distinções sociais”: os sofrimentos do jovem Werther e as transformações no espaço público: século XVIII. Revista Eletrônica Cadernos de História: Universidade Federal de Ouro Preto. Mariana, ano III, v. VI, n. 2, p. 6-15, dez. 2008.
PREVENÇÃO DO SUICÍDIO: um manual para profissionais da Mídia. Organização Mundial da Saúde, 2000. Arquivo: WHO_MNH_MBD_00.2_por.pdf.
PEIXOTO, Oscar. Werther: o poeta e a morte por amor. Disponível em: http://blogln.ning.com/profiles/blogs/werther-o-poeta-e-a-morte-por. Acesso em: 20 jan. 2012.
YOUNG, Edward. Les Nuits de Young, suivies des tombeaux et des méditations
d’Hervey, etc. Traduction de Le Tourneur. Paris: Chez Étienne, Ledoux, 1827. (1. éd. 1769).
Texto revisado e ampliado