ENCANTO DOS SONETOS NA VIDA DO POETA
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
SONETO É SINÔNIMO DE POESIA?
Soneto não é sinônimo de Poesia (assim, mesmo, com letra maiúscula). A Poesia é uma das sete artes clássicas, pela qual a linguagem humana é esculpida com fins estéticos. POESIA é ARTE, é etérea, confunde-se ao SENTIR do SER POETA. Não se escreve POESIA. Sente-se a POESIA. Sua expressão, falada ou escrita - a obra - é o POEMA. O artífice é o POETA. Portanto, SONETOS são POEMAS, que se desenvolvem ao sabor de muita inspiração e sob regras específicas.
O SONETO APRISIONA A POÉTICA DO AUTOR?
Para ser poeta não é necessário escrever SONETOS. Mas, se o poema for assinalado como tal, que seja composto de acordo com as regras seculares. Caso contrário, escreva-se outra coisa. Será lindo, também.
Sou apaixonada por SONETOS! Em particular, constituem-se no ápice do meu encantamento! Desde pequenina escuto-os, embevecida, pela voz da minha mamãe, quando declamava sonetos da sua autoria, inspirada nos olhos indecifravelmente azuis do meu papai... meu belo papai...
Sempre que afirmo ser encantada por SONETOS, assisto bocas retorcidas, narizes franzidos e frases como: “Ih! Você gosta disso? Não gosto de me prender a rimas e métricas...” ou “Nunca achei que prisão combinasse com inspiração...” ou “Nossa! Se és artista, como consegues aprisionar-te a tantas regras?”
Erro crasso!
As regras seculares do SONETO não se traduzem em prisão ao dom da criatividade. Seu papel é o de atuar como fonte de sedução e não de prisão. Sendo vistas como algemas, morrem, suicidam-se, afogam-se o poeta, o pintor, o músico e todo aquele que se disser “criador”. Entregar-se às regras, significa encontrar-se com o âmbito da própria liberdade. Aquele espaço “tão restrito” fica enorme quando se lhes dirigem todas as emoções. Ao especificar, amplia-se!
Deflagra-se o processo criativo ao estabelecer-se o elo de tensão entre o que se tem e o que se pretende alcançar. Sabe-se onde deve atuar e a partir dali, transcende-se às coisas corriqueiras e banais. Em suma, cria-se! Exercito-me, diariamente, quando me dedico a uma atividade literária, artística e/ou científica. Temer as regras, para minha forma de enfrentar a vida, é sinônimo de preguiça intelectual, porque seria muito mais “fácil” atuar num campo conhecido. Por mim, prefiro os desafios.
Agora, vamos ao que seja, per si, um SONETO.
DEFINIÇÃO E ESTRUTURA DO SONETO
O soneto é um poema de 14 versos dispostos em dois quartetos e dois tercetos. Essa a dificuldade, pois ao autor caberá desenvolver um atraente enredo (início, meio e fim) ao decorrer dessa pequena estrutura e sob o comando de algumas regras essenciais.
É muito rica a experiência concernente à realização de um SONETO! Imprescindível que seu último terceto desvende um último verso no qual o poeta exponha o êxtase da sua criação. É preciso que seja impactante de anseio ou de fascínio! O leitor leva “um soco” ou “um beijo roubado”. Nada mais é preciso, não procura outros versos, não vira a página a procurar o final... Apoteose, pressentida pela sua alma! O último verso do SONETO extasia o leitor, não antes de seduzir seu próprio autor, que por vezes, sucumbe ao próprio encanto...
RIMAS NO SONETO
Os sonetos clássicos - Italiano ou Petrarquiano - exibem tão somente 4 (quatro) ou 5 (cinco) rimas, assim dispostas: 2 (duas) rimas nos quartetos e 2 (duas) ou 3 (três) rimas nos tercetos.
Os dois quartetos rimam entre si, comumente, nos sistemas:
a) rimas entrelaçadas ou opostas: ABBA-ABBA;
b) rimas alternadas (ou cruzadas): ABAB-ABAB;
c) rimas emparelhadas: AABB-AABB.
Essas regras, por vezes, são ignoradas, utilizando-se três ou quatro rimas nos quartetos. Salienta o poeta João Roberto Gullino, que ao romper com a tradição, a sonoridade, por vezes, queda-se comprometida.
Os dois tercetos aceitam duas ou três rimas, sempre diferentes dos quartetos, sob variáveis disposições, tais sejam: cdc-cdc; ccd-ccd; cde-cde. Alguns autores salientam que não existe a obrigatoriedade dos segundos versos dos tercetos rimarem entre si.
Sobre esse pensamento, cito a poética irreparável de Camões:
"É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?"
Para conferir maior sonoridade aos versos, pode-se lançar mão de outras modalidades de rima, a saber:
a) rimas internas: quando ocorrem no interior dos versos.
Eis um exemplo em Camões:
Lembranças, que lembrais meu bem passado
Para que sinta mais o mal presente,
Deixai-me, se quereis, viver contente,
Não me deixeis morrer em tal estado.
b) rimas encadeadas: quando a última palavra de um verso rimar com a palavra inserida no meio do verso seguinte.
Segue exemplo de Tomás Ribeiro:
Dormes! e eu velo, sedutora imagem,
Grata miragem que no ermo vi;
Dorme - Impossível - que encontrei na vida,
Dorme, querida, que eu descanso aqui.
No caso do soneto Inglês/Shakespeareano, apresentam-se três quadras com rimas cruzadas diferentes (ABAB-CDCD-EFEF) e, no dístico final, insere-se rima emparelhada diferente daquelas usadas nos quartetos (gg).
Para finalizar este tópico, busco em Antônio Feliciano Castilho uma atraente colocação a respeito da predileção entre o verso rimado e o verso livre: “Os bons versos soltos são muito bons; os versos bem rimados são muito melhores.”
No meu pensar, não importa que se façam versos com rima ou sem rima, clássicos ou livres; mas, sim, que se façam versos, versos e mais versos. A função do poeta é MARAVILHAR o leitor, o que somente ocorre através de exercício diário. Sem encantamento, não existe o poeta. É de sabença, que os gênios não o serão o tempo todo, mas, os bons poetas necessitam sê-lo, na maioria das vezes em que se expressam.
QUANTO AO NÚMERO DE SÍLABAS (MÉTRICA/SONORIDADE)
Ab initio, os 14 versos do SONETO apresentarão o mesmo número de sílabas poéticas e os versos serão regularmente metrificados, sob diversas formas.
MONOSSÍLABOS
Sonetos com uma sílaba poética e acento tônico na 1ª sílaba.
Rimas: ABAB-ABAB, cdc-ede; ABAB-ABAB, cdc-cdc; ABAB-ABAB, cac-dad.
Exemplo de Soneto Monossílabo, de Sílvia Mota:
Ela-Flor
Tem
Flor
Sem
Dor?
*****
Sem
Cor
Tem
Flor?
*****
Ela -
Tão
Bela!
*****
Bela -
Tão
Ela!
DISSÍLABOS
Sonetos com duas sílabas e acento tônico na 2ª sílaba.
Rimas: ABAB-ABAB, cdc-ede; ABAB-ABAB, cdc-cdc.
Exemplo de Soneto Dissílabo, de Sílvia Mota:
Fé
Viver
primeiro.
Morrer
inteiro.
Crescer
certeiro.
Sofrer
cordeiro.
Atrito
interno
aflito.
Conflito
eterno...
um mito!
TRISSÍLABOS
Sonetos de três sílabas poéticas.
Os versos trissílabos exigem o acento tônico na 3ª sílaba, mas poderão exibir acento secundário na 1ª sílaba.
TETRASSÍLABOS
Sonetos de quatro sílabas poéticas.
Os versos tetrassílabos apresentam assim os acentos tônicos:
a) 2ª e 4ª sílabas;
b) 1ª e 4ª sílabas; ou
c) simplesmente na 4ª sílaba.
Rimas: ABAB-ABAB, cdc-ede; ABAB-ABAB, cdc-ece; ABAB-ABAB, cdc-cdc.
PENTASSÍLABOS OU REDONDILHA MENOR
Sonetos de cinco sílabas, que podem apresentar acentos das seguintes formas: 2ª e 5ª sílabas; 1ª, 3ª e 5ª sílabas; 1ª e 5ª; 3ª e 5ª; 2ª e 5ª.
Rimas: ABAB-ABAB, cdc-cdc; ABAB-ABAB, cdc-ede; ABAB-ABAB, cdc-ece
HEXASSÍLABOS
Sonetos de seis sílabas poéticas, com acentos obrigatórios na 6ª sílaba, juntamente, com uma ou duas das quatro primeiras sílabas. Por exemplo: 2ª e 6ª ou 4ª e 6ª sílabas.
Rimas: ABAB-ABAB, cdc-cdc.
HEPTASSÍLABOS OU REDONDILHA MAIOR
Sonetos de sete sílabas, que aceitam diversas modalidades rítmicas:
"Surgem velas muito além." (1ª, 3ª, 5ª e 7ª)
"Todo o tempo me sobeja." (1ª, 3ª e 7ª)
"Viveria sempre lá." (3ª, 5ª e 7ª)
"De que tudo acontecesse." (3ª e 7ª)
"Tudo o que está para trás." (1ª, 4ª e 7ª)
"O tempo tudo melhora." (2ª, 4ª e 7ª)
"Ou foi ou jamais começa." (2ª, 5ª e 7ª)
"Que se prolonga sem pressa." (4ª e 7ª)
***Exemplos de versos heptassílabos extraídos da obra “Cancioneiro”, de Cabral do Nascimento.
Rimas do heptassílabo: ABAB-ABAB, cdc-cdc.
OCTOSSÍLABOS OU SÁFICOS
Sonetos de oito sílabas, com acentos na 4ª e 8ª sílabas.
ENEASSÍLABOS
Sonetos com nove sílabas, com acentos na 3ª, 6ª e 9ª sílabas.
Sistema rimático: ABAB-ABAB,cdc-ede.
DECASSÍLABOS
Os decassílabos são curiosos, apresentando-se sob duas formas: o verso decassílabo heróico, que apresenta tonicidade na 6ª e 10ª sílabas, tendo o seguinte esquema rítmico 10 (6-10); e o verso decassílabo sáfico, com tonicidade na 4ª, 8ª e 10ª sílabas. Seu esquema rítmico é 10 (4-8-10). Todos os 8816 versos de "Os lusíadas", de Camões, são decassílabos heróicos.
HENDECASSÍLABOS OU DATÍLICOS
Sonetos de onze sílabas, com acentos:
a) nas 2ª, 5ª, 8ª e 11ª sílabas;
b) nas 4ª, 6ª, 8ª e 11ª sílabas;
c) nas 1ª, 3ª, 5ª, 7ª, 9ª e 11ª sílabas;
d) nas 5ª e 11ª sílabas.
Sistema rimático: ABAB-ABAB,cdc-eee.
DODECASSÍLABOS
Sonetos com doze sílabas, com acentos na 6ª e 12ª sílabas.
DODECASSÍLABOS ALEXANDRINOS
Os versos alexandrinos apresentam-se com 12 sílabas poéticas (dodecassílabos). Contudo, não lhes bastam as 12 sílabas. Exigem outras regrinhas.
Vamos aprendê-las?
Primeira regrinha:
O verso alexandrino possui 12 sílabas poéticas - o METRO - com a presença obrigatória da tônica - que determina o RITMO, na 6ª e 12ª sílabas poéticas.
Existem outras formas de demarcar o RITMO, como por exemplo:
a) presença da tônica na 2ª, 4ª, 6ª, 8ª, 10ª e 12ª (acentuação Yâmbica);
b) presença da tônica na 3ª, 6ª, 9ª e 12ª;
c) presença da tônica na 4ª, 6ª e 10ª e 12ª.
SALIENTA-SE que somente ocorrerá um verso essencialmente alexandrino quando ocorrer a tônica na 6ª e na 12ª sílabas poéticas.
Segunda regrinha:
Ressalto algumas regras conhecidas por todos os sonetistas, sobre a colocação das tônicas em seus sonetos, permitindo que o verso dodecassílabo seja caracterizado como alexandrino ou não:
1) Todos os SEGUNDOS HEMISTÍQUIOS de todos os versos terminarão com palavras paroxítonas (chamadas de palavras graves).
Eis o ensinamento de Olavo Bilac e Guimaraens Passos em seu "Tratado de versificação": "No soneto clássico, todos os versos são graves."
2) Jamais finalizar o 1º HEMISTÍQUIO com palavra proparoxítona.
3) Ao término do 1º HEMISTÍQUIO, com palavra paroxítona terminada em vogal, faz-se necessário que a próxima palavra comece com uma vogal átona ou consoante muda para haver a ELISÃO;
4) Se terminarmos o 1º HEMISTÍQUIO com palavra oxítona, com ou sem elisão com a palavra seguinte, o dodecassílabo se mantém.
Eis o ensinamento de Olavo Bilac e Guimaraens Passos em seu "Tratado de versificação": "A lei orgânica do alexandrino pode ser expressa em dois artigos: 1º) quando a última palavra do primeiro verso de seis sílabas (hemistíquio) é grave, a primeira palavra do segundo deve começar por uma vogal ou por um h; 2.º) a última palavra do primeiro verso (hemistíquio) nunca pode ser esdrúxula." Entenda-se por "esdrúxula", a palavra proparoxítona.
Rimas nos alexandrinos:
Quanto ao sistema rimático, os sonetos alexandrinos obedecerão aos anteriormente citados. Ressalta-se, que as rimas serão preferencialmente ricas - aquelas realizadas com classes de palavras diferentes ou, segundo alguns autores, com aquelas palavras que possuem todas as letras iguais, desde a letra inicial da sílaba tônica até a última letra da palavra escolhida.
Por exemplo:
inTENSO // preTENSO
taLENTO // viruLENTO
pensaMENTO // casaMENTO
Deixo-lhes um soneto alexandrino da minha autoria:
A pérola do colar que enfeita meu pescoço
Divina e bela flor – me chamas introverso –
mas louca, assaz ousada - em páramo infinito –
um bel jardim campeio às orlas do Universo,
qual do Ocidente a rúbia insensatez é rito!
Não sabes nada em mim – não vês nenhum reverso –
e às chamas desse amor - és fantasia, és mito –
alisas meu cabelo a cada verso inverso,
sou fama em ti nascida e o mundo é tão bonito!
Se queres casta flor – flamejo ardente dama,
pois meu frescor de rosa assume sem cautela
secreto encanto audaz - e quero ser perfeita!
Um beijo quente aspiro - o meu pescoço inflama,
suplica a língua em lança e, delicada e bela,
almejo ser-te pura - a pérola que o enfeita!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reafirmo que a edição do SONETO não é um digladiar de palavras e de frases, não é um jogo de quebra-cabeça a ser vencido após um cansativo e desgastante esforço. Aliás, a rigidez das suas regras impede que isso aconteça. Só escreve SONETO o poeta que gosta de desafios, porque o clássico poema parece um leão bravio que somente se deixa domesticar frente à experiência exuberante do poeta com as palavras. Então, flui naturalmente. Há quem não compreenda, mas tudo sai livre e na cadência perfeita. Depois que o poema chega, inicia-se a contemplação, e a partir desse galanteio entre criador e criatura surgem os acertos. Mas o SONETO, em si, viera antes... livre como um passarinho que se deseja longe da gaiola.
Na criação de um SONETO, para além da inspiração cativante, as regras são imperativas. E, que não se chame de SONETO a dois quartetos e dois tercetos, sem a presença das demais regras clássicas, sob a justificativa de ser um poeta que “segue um movimento atual, liberto de regras, onde o soneto é visto sob uma nova visão...” ou coisas do gênero...
Ao poeta do mundo contemporâneo, não se exige conhecimento das regras de metrificação; não obstante, se opta por enveredar pela senda dos poemas tradicionais, de forma rígida, necessita sim, observar as regras impostas a cada formato. Não há como fugir.
Neste espaço, refiro-me ao SONETO, mas é preciso levar em consideração todas as expressões poéticas. Não sendo respeitadas as determinações, um poetrix não será um poetrix, um haikai não será um haikai e uma trova não será nada mais do que uma quadrinha.
Sendo abomináveis ao autor as regras que sustentam sonetos, poetrix, haikais, fibhaikus, tankas, letrix, trovas e outros mais, deve aquele seguir as regras dos poemas livres... que existem, também. Entre essas, ao mínimo, que escreva o idioma corretamente. Não me refiro somente à ortografia, mas que estude a conjugação dos verbos e realize precisamente as concordâncias nominais e verbais. Entre outras regras...
Este texto, de jaez perfunctório, nem de longe supre o necessário para se entender o que seja um SONETO. É preciso ler muito mais do que aqui se expõe.
Grata pela atenção.
Aceito sugestões ou possíveis correções.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 23 de julho de 2009 – 1h40
Reeditado em Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 2015 – 19h47
Ampliado em 24 de janeiro de 2017 - 3h40
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 17/09/2011
Alterado em 22/05/2018
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