Textos



Em algum lugar do passado


- Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência -

 

Chegou-me, como um ser encantado. Ao som da minha voz em poesia, correu ao meu encontro. Busquei fugir, mas, foi em vão, pois o Infinito demarcara aquele encontro. Minha beleza provocou-lhe os mais belos e faiscantes olhares. Aquela cor amarelada em brilho gravou-se na minha retina, para sempre. Os sorrisos sensuais, emoldurados à ruiva e macia barba, ultrapassaram o tempo, registrando-se no meu fadário. A voz, entre rouca e quente, perpetuou-se aos meus ouvidos. Admirou tudo em mim - os contornos do corpo, as pernas bronzeadas, os seios roliços, o tamanho delicado dos pés, a forma de caminhar, o cheiro da pele, o sorriso, o olhar entre verde e azulado... e engrandeceu a poesia que escapava fulgurante dos meus poros. Sentávamos lado a lado, colados um ao outro. Com os braços nos meus ombros, emitia o comando: - "Escreve!" - e, o Universo escorria para o papel, sob a forma de amor e paixão. Escrevi, escrevi e escrevi... Fui dele, totalmente, em cada verso...
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Saiu da minha vida, como um arco-íris que se perde no horizonte. Minha essência poética reteve todos os sabores das mágicas palavras proferidas nos momentos vivenciados em êxtase. Palavras que se calaram, submissas às dores da partida. E, ao desencanto do silêncio interposto, as minhas mãos escreveram poemas ditados pelo esplendoroso amargor dos sentimentos. Supliquei-o em cada verso...

Desapareceu da minha vida, como um fantasma das minhas ilusões. Ao enlevo desse impossível, procurei-o nos demais amores, em cada abraço e em cada beijo. Nos atos de amor, busquei a eloquência da palavra e a quietude das pernas e braços, em atitudes jamais pensadas ou vivenciadas. Em nenhum braço o meu prazer rebolou à mansidão do corpo. Orgasmo tântrico. Relaxamento, excitação, expansão, fusão... êxtase! Inexplicável e inigualável sensação! Ninguém vivi, à sombra daquele enlevo. Sonhei-o em cada sonho. Chorei-o a cada realidade. Permaneceu único e inconfundível. O amor desejado. A paixão perfeita. Clamei-o em cada verso...

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Quantas primaveras se passaram, até que ressurgisse na minha vida, a ultrapassar o mistério de um passado longínquo! Entregue ao meu outono, sob os auspícios da Natureza em flor e sôfrega de emoção, li o seu nome à tela do computador. Autômata, enviei-lhe meu telefone aos rastros de curta mensagem: - "Se ainda lembrares de mim..." - escrevi trêmula.

Ao final do dia, o telefone tocou. Atendi displicente, pois os afazeres domésticos afastaram-me das lembranças. Do outro lado, uma voz aflita perguntava, em atropelo, por mim. Estranhei e fui cuidadosa. Afinal, morava sozinha naquele recanto meio floresta e meio magia.

Respondi com outra pergunta: - "Quem deseja falar?"

Do outro lado, a insistência da pergunta anterior.

- "Mas, quem deseja..." - foi então, que a minha inquirição flutuou no ar, pois reconheci aquela voz.

- "É ela..." - murmurei. Minha boca salivou ausência e meu coração disparou o tempo perdido no tempo.

- "Sempre soube que te reencontraria! Sempre soube disso! Onde moras? Estás casada? De onde falas? Quero-te encontrar!" - Aos meus ouvidos, a angústia da sua voz parecia ultrapassar a velocidade do pensamento.

Balbuciei onde vivia e, à insistência do meu interlocutor, respondi-lhe que não mais era casada. Não paramos de falar, ainda que me lembre somente dos seguintes dizeres: - "Não podemos ignorar nem perder esta segunda chance que o destino nos oferece... Quero-te ver. Quando?"

A emoção do momento? Impossível descrevê-la!

Dias depois, reencontramo-nos às luzes acesas de um shopping da grande cidade. Fui ao encontro de um inigualável amor, do qual não tinha notícias há vinte anos. Era dia do meu aniversário. Eu aos 57, ele aos 77 - um belo e charmoso homem. O tempo não lhe roubara a dádiva da sedução.

Olhos fixos nos meus (e quanta força havia naquele olhar!), relembrou o momento em que lera a mensagem: - "Se ainda lembrares de mim...". Falou-me que, imediatamente, pensara consigo mesmo: "Mas, se nunca a esqueci..." Ao embalo dessa quimera, ofereceu-me uma obra da sua autoria, na qual apôs a seguinte dedicatória, abaixo do meu nome: "És inesquecível! Primavera de 2008."

Conversamos horas seguidas, sem nos apercebemos das pessoas que passavam de um lado para o outro. Tantas palavras adormecidas ao gosto do tempo, tantas fantasias persistentes, tantos sonhos que ainda sonhavam por se transformarem em realidade. Gratificante, certificar-me de que não sonhara sozinha!

Nada além de um encontro esperado por ambos. O dia ameaçava ir embora, quando nos despedimos. Tentou beijar-me. Implorou o gosto da minha boca. Mas, como fazê-lo, depois de tanto tempo? Difícil fugir, para não ofendê-lo. Mas, fugi. Percebi a decepção daquele olhar, que, em segundos, pareceu-me opaco e triste.

Depois desse dia, trocamos e-mails e telefonemas. Sempre, a mesma despedida: - "Beijos... que ainda não te dei..."

Marcamos novos encontros. Mas, de todos esquivei-me. No meu coração, optara por não mais reencontrá-lo. O homem que tanto amei pretendia recuperar o sentimento adormecido ao sonho de um passado. E tinha pressa. Eu, não. Sentia, a partir da minha essência feminina, a impossibilidade de resgatar o que se perdera nas brumas do tempo. Irrecuperável seria, até mesmo, porque meus amores nascem do fascínio e da sedução e alimentam-se na magia. O encanto não mais existia. Eu, enquanto rosa, fora cortada do jardim fascinante que construíra na minha imaginação, à época em que florescera aquele amor perfeito.

Uma grande amiga perguntou-me se a diferença de idade motivara o distanciamento. Não, não fora essa a razão. Afinal, também envelhecera, fisicamente. Outro, o motivo. Mas, qual? Não soube explicar, nem a ela e nem a mim...

Agora, ao escrever este texto, vislumbro motivos.

Após o encanto do primeiro encontro, após inúmeros e-mails e diversas conversas ao telefone... percebera-o idêntico, vinte anos depois! E eu, que me transformara tanto! O homem procurado em todos os meus momentos de paixão, expunha-se por inteiro, à minha frente! Incongruência... Repeli-o, porque lhe enxerguei todas as fraquezas humanas. As mesmas de outrora, somente agora detectadas pelos meus sentidos. Vivenciei, a um só tempo, o encanto e o desencanto. Mas, ao me sentir na iminência de perder a ilusão que se imiscuía à minha realidade, e, na tentativa de preservar parte do meu sonho mais bonito, ainda que fosse o mais cruel - fugi. Sonho bonito, porque aos braços e abraços daquele homem fora rosa - bela em plenitude! - e exalara o mais puro, sedutor e misterioso perfume. Sonho cruel, porque o sabor dos seus beijos, a força da sua palavra e o som dos seus gemidos entranharam-se na minha eternidade, impedindo-me de vivenciar outros amores, aprisionada que estava ao efeito das lembranças. Mesmo assim, por tão intenso, aquele amor-ilusão era a fantasia que escolhera cultuar por toda a vida. Quero me lembrar dos folguedos de amor, quando invadíamos o céu e, à luz de velas e ao som de cantos celestiais, dançávamos por entre estrelas, enquanto os deuses desciam à Terra para nos oferecer o seu lugar de honra. Liberta dos fantasmas constrangedores, que por tanto tempo me arrastaram em correntes de saudades e frustrações, poetizarei o mito daquele nosso amor.

Nesta madrugada, ouço aquela voz sensual nos meus ouvidos, a falar-me da certeza que cultivara do nosso reencontro. Sinto o tremor das mãos que apertaram as minhas, ao comparar-me às rosas vermelhas e aveludadas que cultivava no seu jardim: "Por esse motivo, jamais colho uma única rosa do meu jardim. Elas ali nascem, crescem, embelezam e morrem, cumprindo o ciclo natural de vida..."

Nunca mais ofereci flores naturais a ninguém, somente por imaginar seu grito de dor ao ser arrancada viva da vida. Também, nunca mais as transplantei do chão em que nasceram para outro local. A lembrança daquelas palavras, tão sinceras, ainda que proferidas ao sabor da emoção, leva-me a indagar se, ao transferirmos as flores dos jardins para os vasos ou mesmo para outro jardim, não lhes contagiamos com a eiva dos nossos medos e erros, levando-as à morte injusta e prematura...


Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Rio de Janeiro, 16 de junho de 2010 - 13h49
Sobre a pintura:
Mota, Sílvia. Cornucópia Viva: eu, enquanto rosa
1986 Óleo espatulado sobre tela
Medalha de Prata - 1987: Museu do Telefone: II Salão de Artes Luna 87.
Medalha de Ouro - Correios e Telégrafos.
Acervo particular da Autora - Rio de Janeiro - Brasil.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 28/08/2011
Alterado em 28/06/2020
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