Textos


Dia Internacional da Lembrança
do Tráfico de Escravos e sua Abolição

- Breves noções da escravidão em solo brasileiro -


Busque-se em qualquer compêndio, que lá estará a noção conceitual: escravidão (escravismo ou escravatura) é a forma de relação social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força.

É de sabença que a escravidão constituiu a principal forma de trabalho em terras brasileiras, desde o início da colonização portuguesa, no século XVI, até as últimas décadas do século XIX. Quase 400 anos de escravidão marcaram densamente a história do Brasil, quando diversos abusos realizaram-se contra o homem escravizado. Vindos do continente africano, ressalta-se que muitos indígenas brasileiros foram vítimas desse processo. Foram aproveitados especialmente em atividades relacionadas à agricultura – com destaque para a atividade açucareira – e na mineração, sendo assim essenciais para a manutenção da economia. Alguns exerciam também vários tipos de serviços domésticos e/ou urbanos.

Considerados "coisas" pela legislação, os escravos eram mercadoria, cujo preço variava de acordo com suas condições físicas, habilidades profissionais, sexo, idade, procedência e destino.

Entre 1822 e 1824 entraram em Pernambuco 2.702 escravos africanos. Tratados como animais eram comprados, vendidos ou alugados. Desde o surgimento dos primeiros jornais no Brasil, no início do século XIX, anúncios sobre estes casos eram muito frequentes. Vejam-se alguns exemplos de publicações do Jornal Diário de Pernambuco, da época:

Compra e venda:

  • Pretende-se comprar uma mulatinha, ou cabrinha, de até 8 anos de idade, pouco mais ou menos, para se pôr em uma escola. Quem quiser vender dirija-se ao bairro de Santo Antônio a Francisco Gonçalves da Rocha, na rua das Cruzes, n.º 7, que lhe dirá quem a pretende comprar. (5 maio 1827)
  • Quem tiver uma escrava parida capaz de criar um menino, ainda que sem habilidades, mas sim sem defeitos, procure na rua do Fagundes, sobrado D 15 que aí achará quem a quer comprar. (2 jun. 1827)
  1. Vende-se uma negra com cria de 3 meses, boceteira, cozinha sofrivelmente e sem vícios, e duas negrinhas pequenas, uma com princípios de costura; no entrar do beco do Rosário, lado direito, primeiro sobrado. (12 jan. 1829)
  • Pretende-se comprar uma mulata de boa presença de corpo, e de idade até 20 anos, costureira, bordadeira, boa engomadeira, rendeira, e que saiba fazer bem doces. Quem a tiver e quiser dispor procure a Francisco Gonçalves da Rocha, rua das Cruzes, n.º 7, que achará com quem tratar do seu ajuste. (5 fev. 1827)

Transportador:

  • Quem quiser comprar o brigue Santo Antônio Protetor, chegado ultimamente de Angola com escravos, com todos os pertences próprios para o mesmo tráfico, o qual é de 447 praças, e forrado de cobre, procure na rua da Guia a Antônio de Queirós Monteiro Regadas, para tratar do ajuste, que venderá a dinheiro, ou a prazos, conforme for a convenção, e quem o quiser comprar se lhe mostrará o seu inventário. (7 fev. 1827)
  • Nove de março de 1822. A Câmara do Recife dirige-se à Junta do Governo pedindo providências contra o abuso da venda de escravos logo que desembarcam. Pede que eles sejam recolhidos ao lazareto de Santo Amaro para passar a quarentena e evitar o contágio das moléstias que traziam.

Os fugitivos:

  • Miguel Arcanjo Monteiro d'Andrade faz ciente a todos os capitães de campo, e mais pessoas que vivem de pegar escravos fugidos, que no dia 19 do corrente lhe fugiu uma negra por nome Bernarda, do gentio d'Angola. Quem a pegar ou dela tiver notícia, dirija-se à rua de Hortas, na casa da sua residência, que lhe pagará o seu trabalho. (22 mar. 1827)
  • No dia segunda-feira 12 do corrente desapareceu da rua dos Martírios um moleque novo cheio de sarnas que se estava curando em casa de Gitrudes de tal, viúva, cujo escravo é Antônio Francisco de Miranda, morador no forte do Mato. Qualquer pessoa que souber ou o achar poderá trazê-lo à casa do dito que será pago do seu trabalho. O dito escravo é meio maluco e não se entende nada o que diz. (20 mar. 1827)
  • Há tempos fugiram três escravos de D. Maria Teodora, moradora na cidade de Olinda na Biquinha de S. Pedro, os quais têm os distintivos seguintes: Félix Antônio, de nação Gabão, com olhos e beiços grandes, zambo da perna direita, bem preto; Maria, baixa, grossa, com grandes peitos e ventas largas; e Jacinte, de nação Cabinda, tem todo o corpo lavrado dos enfeites costumados de sua nação, e um taco tirado na orelha direita: quem os descobrir pode dirigir-se ao lugar mencionado, que será recompensado generosamente. (1 mar. 1827)
  • A posição em que se acha o Brasil a respeito da escravatura é, na verdade, singular e até melindrosa. O Brasil é hoje o único país do globo que prossegue nesse comércio! Os governos da América, nossos vizinhos, ou não têm escravos ou emanciparam todos os que tinham ou aboliram este comércio. São Domingos contém uma república de negros que há bem poucos anos eram todos escravos e que hoje são civilizados, ricos, independentes e reconhecidos pela mesma França a que pertencia aquela colônia. Esta situação é digna de grande reparo e deve trazer desvelado o governo do Brasil. (15 nov. 1830)

Aluguel:

  • Quem quiser alugar um preto cozinheiro, fiel, não se embebeda, muito limpo nos feitos de sua cozinha, dirija-se à praça da Boa Vista casa no. 121, que lá lhe dirão quem o tem. (7 fev. 1827)
  • Aluga-se: no Hospital Militar, três escravos para o serviço do mesmo; quem os tiver poderá comparecer no mesmo hospital para serem admitidos, apresentando ao enfermeiro-mor a qualquer hora. (15 dez. 1829)
  • Qualquer pessoa que quiser alugar, para ama de casa, uma crioula forra, que sabe cozinhar, engomar, tratar de doentes, e todos os mais serviços domésticos, sendo a dita de muito bons costumes e índole, dirija-se à rua das Águas Verdes, casa n,º da décima 22, para tratar com a mesma. (mar. 1827)

De acordo com a lei, tudo pertencia ao senhor. Contudo, as práticas costumeiras permitiam aos escravos acumular diversos tipos de bens, desde instrumentos de trabalho, como, por exemplo, foices e enxadas, teares e tabuleiros, até joias, roupas finas e animais domésticos. Alguns escravos chegaram mesmo a possuir escravos. A propriedade destes pertences era, por vezes, estimulada pelos senhores que viam nesta prática o contentamento dos escravos. Ocorriam, entretanto, casos de senhores que procuraram apoderar-se dos pertences de seus escravos, escudando-se na lei. Esse desrespeito aos direitos costumeiros implicou, por diversas vezes, em pesadas perdas, provocando nos trabalhadores um desleixo para com o trabalho que nem mesmo o castigo remediava.

Registros judiciais mostram que muitos senhores responderam às vezes com a própria vida. Encontram-se casos de escravos prejudicados que recorreram à justiça solicitando a abertura de processos contra seus proprietários e algumas dessas causas foram vencidas.

Os conflitos entre escravos e senhores tomaram diversas formas, individuais e coletivas. No dia-a-dia, como já referido, as formas mais comuns de resistência eram a desobediência, a diminuição deliberada do ritmo de trabalho e a sabotagem. Esta última incluía “[...] o dano a implementos de trabalho ou à maquinaria, maus-tratos a animais de carga e a destruição de plantações, incendiando-as, por exemplo.” Nesses casos, a resistência geralmente requeria um certo grau de cooperação entre os escravos, o que frustrava as tentativas de aplicar um castigo exemplar. As formas declaradas de resistência individual eram mais extremas: a autodestruição por suicídio, a matança de filhos recém-nascidos ou ataques físicos contra senhores e seus familiares, administradores e feitores. Embora as vinganças violentas fossem raras, elas alimentavam o medo dos senhores.

O ato de rebeldia mais comum de resposta dos escravos à violência praticada pelos senhores era a fuga individual ou coletiva. Até 1888, os jornais brasileiros publicavam anúncios sobre escravos fugidos, oferecendo recompensas para quem ajudasse na captura.

Publicara, em 1866, o Diário de São Paulo:

Escravo fugido.

  • A Antonio Alves Galvão, de seu sitio do Patrocinio da Limeira, fugio o escravo abaixo mencionado: "Eduardo, mulato meio vermelho; bonito de cara, sem barba, nariz afilado, boca pequena, boa dentadura, idade de 18 a 20 anos mais ou menos, altura regular e corpo cheio; tem um dedo do pé cortado pela junta, falla bem, tem os cabellos crespos, e diz que é filho de francez, e mesmo elle entende fallar francez; fugio com roupa fina, jaqueta de pano preto. É de suppôr que fosse para Sorocaba, e que lá se ajustasse com um negociante de tropa solta, cuja moradia ignora-se. Gratifica-se com duzentos mil réis á pessoa que o prender e levar a seu dono, e com mais alguma quantia no caso que esteja muito longe e conforme o trabalho que der para prender e leval-o ao dono. Este escravo gosta de andar com o cabello penteado e bem repartido, pratica de andar a cavallo, e aprecia andar a galope. Sabe dirigir animaes em tropas ou carros, e trabalha bem na roça, de enxada ou foice.
  • Os foragidos representavam uma afronta à instituição da escravidão e os mocambos ou quilombos passaram a ser o alvo de uma ira redobrada dos senhores.

No final do século XIX, com a consolidação da campanha abolicionista, os quilombos continuaram a proliferar, agora, com a ajuda de uma população livre, simpática à causa.

As longas horas de trabalho duro nas plantações ou nas minas geravam exportações e sustentaram a nação brasileira. Os escravos recebiam uma alimentação pouco adequada e roupas que mal cobriam seus corpos. O destino dos africanos, brutalmente arrebatados dos seus lares do outro lado do Oceano Atlântico era uma exploração sem limites. No transporte de negros de Angola para o Brasil os carregadores e capitães dos navios tinham a prática escandalosa de colocá-los a bordo tão juntos uns dos outros, que não só lhes faltava a necessária facilidade de movimento indispensável à vida, mas devido à condição de superlotação imposta na viagem muitos morriam, e aqueles que sobreviviam chegavam em estado deplorável.

A vergonhosa situação só chegaria ao fim em 13 de maio de 1888, com um gesto pretensamente bondoso da Princesa Isabel: a famosa Lei Áurea, extinguindo-se, assim, o último sistema escravo no mundo ocidental.

Os autores Libby e Paiva, fundamentados nos estudos mais recentes sobre a escravidão no Brasil e nas Américas, apresentam um painel abrangente e revelador sobre um dos temas mais importantes da história do Brasil: a escravidão do negro e seus efeitos profundos nos valores e comportamentos ainda presentes na sociedade brasileira, como a depreciação do trabalho braçal e a inferiorização social do negro. Criticam as interpretações simplificadoras – como as que atribuem ao senhor um papel ativo e ao escravo a passividade. Não apenas oferecem várias e novas informações sobre o tema, como instigam os leitores a refletir sobre as relações sociais no Brasil contemporâneo.


Observação: As referências das obras consultadas podem ser solicitadas à Professora Sílvia Mota.

Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 23/08/2011
Alterado em 01/09/2016
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