Dia Internacional da Lembrança
do Tráfico de Escravos e sua Abolição
- Breves noções da escravidão em solo brasileiro -
Busque-se em qualquer compêndio, que lá estará a noção conceitual: escravidão (escravismo ou escravatura) é a forma de relação social em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro designado por escravo, ao qual é imposta tal condição por meio da força.
É de sabença que a escravidão constituiu a principal forma de trabalho em terras brasileiras, desde o início da colonização portuguesa, no século XVI, até as últimas décadas do século XIX. Quase 400 anos de escravidão marcaram densamente a história do Brasil, quando diversos abusos realizaram-se contra o homem escravizado. Vindos do continente africano, ressalta-se que muitos indígenas brasileiros foram vítimas desse processo. Foram aproveitados especialmente em atividades relacionadas à agricultura – com destaque para a atividade açucareira – e na mineração, sendo assim essenciais para a manutenção da economia. Alguns exerciam também vários tipos de serviços domésticos e/ou urbanos.
Considerados "coisas" pela legislação, os escravos eram mercadoria, cujo preço variava de acordo com suas condições físicas, habilidades profissionais, sexo, idade, procedência e destino.
Entre 1822 e 1824 entraram em Pernambuco 2.702 escravos africanos. Tratados como animais eram comprados, vendidos ou alugados. Desde o surgimento dos primeiros jornais no Brasil, no início do século XIX, anúncios sobre estes casos eram muito frequentes. Vejam-se alguns exemplos de publicações do Jornal Diário de Pernambuco, da época:
Compra e venda:
Transportador:
Os fugitivos:
Aluguel:
De acordo com a lei, tudo pertencia ao senhor. Contudo, as práticas costumeiras permitiam aos escravos acumular diversos tipos de bens, desde instrumentos de trabalho, como, por exemplo, foices e enxadas, teares e tabuleiros, até joias, roupas finas e animais domésticos. Alguns escravos chegaram mesmo a possuir escravos. A propriedade destes pertences era, por vezes, estimulada pelos senhores que viam nesta prática o contentamento dos escravos. Ocorriam, entretanto, casos de senhores que procuraram apoderar-se dos pertences de seus escravos, escudando-se na lei. Esse desrespeito aos direitos costumeiros implicou, por diversas vezes, em pesadas perdas, provocando nos trabalhadores um desleixo para com o trabalho que nem mesmo o castigo remediava.
Registros judiciais mostram que muitos senhores responderam às vezes com a própria vida. Encontram-se casos de escravos prejudicados que recorreram à justiça solicitando a abertura de processos contra seus proprietários e algumas dessas causas foram vencidas.
Os conflitos entre escravos e senhores tomaram diversas formas, individuais e coletivas. No dia-a-dia, como já referido, as formas mais comuns de resistência eram a desobediência, a diminuição deliberada do ritmo de trabalho e a sabotagem. Esta última incluía “[...] o dano a implementos de trabalho ou à maquinaria, maus-tratos a animais de carga e a destruição de plantações, incendiando-as, por exemplo.” Nesses casos, a resistência geralmente requeria um certo grau de cooperação entre os escravos, o que frustrava as tentativas de aplicar um castigo exemplar. As formas declaradas de resistência individual eram mais extremas: a autodestruição por suicídio, a matança de filhos recém-nascidos ou ataques físicos contra senhores e seus familiares, administradores e feitores. Embora as vinganças violentas fossem raras, elas alimentavam o medo dos senhores.
O ato de rebeldia mais comum de resposta dos escravos à violência praticada pelos senhores era a fuga individual ou coletiva. Até 1888, os jornais brasileiros publicavam anúncios sobre escravos fugidos, oferecendo recompensas para quem ajudasse na captura.
Publicara, em 1866, o Diário de São Paulo:
Escravo fugido.
No final do século XIX, com a consolidação da campanha abolicionista, os quilombos continuaram a proliferar, agora, com a ajuda de uma população livre, simpática à causa.
As longas horas de trabalho duro nas plantações ou nas minas geravam exportações e sustentaram a nação brasileira. Os escravos recebiam uma alimentação pouco adequada e roupas que mal cobriam seus corpos. O destino dos africanos, brutalmente arrebatados dos seus lares do outro lado do Oceano Atlântico era uma exploração sem limites. No transporte de negros de Angola para o Brasil os carregadores e capitães dos navios tinham a prática escandalosa de colocá-los a bordo tão juntos uns dos outros, que não só lhes faltava a necessária facilidade de movimento indispensável à vida, mas devido à condição de superlotação imposta na viagem muitos morriam, e aqueles que sobreviviam chegavam em estado deplorável.
A vergonhosa situação só chegaria ao fim em 13 de maio de 1888, com um gesto pretensamente bondoso da Princesa Isabel: a famosa Lei Áurea, extinguindo-se, assim, o último sistema escravo no mundo ocidental.
Os autores Libby e Paiva, fundamentados nos estudos mais recentes sobre a escravidão no Brasil e nas Américas, apresentam um painel abrangente e revelador sobre um dos temas mais importantes da história do Brasil: a escravidão do negro e seus efeitos profundos nos valores e comportamentos ainda presentes na sociedade brasileira, como a depreciação do trabalho braçal e a inferiorização social do negro. Criticam as interpretações simplificadoras – como as que atribuem ao senhor um papel ativo e ao escravo a passividade. Não apenas oferecem várias e novas informações sobre o tema, como instigam os leitores a refletir sobre as relações sociais no Brasil contemporâneo.
Observação: As referências das obras consultadas podem ser solicitadas à Professora Sílvia Mota.