Para exorcizar este medo é necessário conhecer os próprios direitos. É preciso saber que nenhuma intervenção poderá ser realizada ao corpo humano, se o paciente não permitir. É preciso escolher bem o profissional (o que se torna impossível na Saúde Pública, na qual não se tem escolha). É necessário confiar.
No exercício da medicina nada há de mais importante que a relação médico-paciente, constituindo-se na base de toda a estrutura sanitária que inexistiria sem o estabelecimento desta relação iniciada no momento em que uma pessoa com um problema relacionado à saúde física ou moral - o paciente - socorre-se a outra - o médico, com a convicção de que será ajudada. Não obstante, esta relação modificou-se com o decorrer dos tempos.
A tradicional moral de beneficência, vigente desde os tempos de Hipócrates, com sua carga de paternalismo (aos pacientes havia que defendê-los da verdade), deixa lugar à moral da autonomia, que se caracteriza por uma difusão da filosofia da liberdade dos pacientes para que possa tomar decisões referentes à sua enfermidade. Não mais se permite ignorar a influência que o consentimento informado exerce na apreciação do caso em concreto, desde o dever profissional de ser observado até alcançar o respeito à autonomia do paciente.
Conceito e natureza jurídica
Conceituar o Termo de Consentimento Informado é relevante para que se possa traçar suas características próprias. Para além disso, é preciso delimitar qual sua natureza jurídica, sob o pretexto de contextualizá-lo no mundo jurídico. O Consentimento Informado é um acordo de pessoas para permitir que alguma coisa aconteça baseada numa completa revelação de fatos necessários para fazer a decisão inteligentemente; isto é, conhecimento dos riscos envolvidos, alternativas, entre outros.
O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001, p. 807), assinala sobre o termo consentimento: “[...] ato ou efeito de consentir. 1 – manifestação favorável a que faça; permissão, licença. 2 – manifestação de que se aprova; anuência, aquiescência, concordância. 3 – tolerância, condescendência. 4 – uniformidade de opiniões; concordância de declarações, acordo de vontades das partes para se alçar um objetivo comum."
A relação médico-paciente mudou através dos tempos. O novo aparato técnico científico colocado à disposição das pessoas muda o comportamento do paciente, despertando-lhe a ânsia por descobrir seus direitos e de se portar como titular de autodeterminação em relação ao seu próprio corpo. Desta forma, é necessário que o profissional da medicina proporcione ao paciente sob seus cuidados os indicadores essenciais de conhecimento e compreensão a respeito da terapia indicada para seu mal, para que tenha subsídios de optar livremente.
Sobre o tema Rodrigues (2001, p. 17-18) ensina: “Sempre que os outros não lhes mintam ou não os privem de informação, os seres humanos com maturidade suficiente devem, em princípio, ter o direito de tomar as decisões que vão definir as suas próprias vidas, eventualmente até realizando más opções. Autonomia não significa solidão. Se é verdade que cabe ao paciente decidir sobre a intervenção médica, não é menos verdade que, informado, ele não decidiu sozinho. Por contrapartida, onde não haja consentimento, surge a suspeita de uma manipulação arbitrária por parte do médico.
Tendo em vista a relevância desta matéria na atualidade, tanto a jurisprudência nacional quanto a estrangeira colocam que a ausência do consentimento informado é ensejo de responsabilização civil, independentemente do sucesso ou insucesso do tratamento de saúde.
**MADRID. Audiencia Provincial de Madrid. Sección 21ª. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Ponente: Ilmo. Sr. D. Guillermo Ripoll Olazábal. Contenido: Inexistencia de Negligencia Profesional. Regla General de Consentimiento Previo. Excepción: cuando el paciente no esté capacitado para tomar decisiones cuando la urgencia no permita demora por poder ocasionar lesiones irreversibles o peligro de fallecimiento. Responsabilidad del Insalud (ROBERTO, 2006, p. 89).
Entende a literatura especializada, não ser a natureza jurídica do consentimento informado um contrato de prestação de serviço de saúde, mas um ato jurídico voluntário com consequências decorrentes da determinação legal, como o direito à autodeterminação e o direito à disposição do próprio corpo, dispostos nos artigos 13 e 15 do Código Civil de 2002. Portanto, somente surtirá os efeitos pretendidos em função da relação estabelecida de prestação de serviços de saúde.
Embora o Código Civil não disponha sobre o contrato de prestação de serviços de saúde, especificamente, disciplina nos artigos 593 a 609 os contratos de prestação de serviços que se sujeitem às leis trabalhistas ou lei especial, como é o caso em referência.
O consentimento informado é uma manifestação de vontade do paciente que concorde com a terapia, após ser suficientemente informado dos riscos e benefícios.
No concernente ao entendimento do consentimento como ato jurídico em sentido estrito é relevante a distinção efetuada pela jurisprudência francesa, desde a decisão da Cour de Cassacion de 29 de maio de 1951, entre o consentimento inicial, concomitante com o contrato de prestação de serviços médicos e a necessidade de antes de cada intervenção ou tratamento o médico obter o consentimento informado do paciente. Salienta-se que o consentimento concedido pelo paciente na esfera médica é duplo. Num primeiro momento, há o consentimento-aceitação, que permite a conclusão de um contrato médico, pois todo contrato supõe um consentimento válido das partes. Em segundo lugar, há o consentimento para tratamento praticado, que representa o corolário do direito do paciente a fazer respeitar a sua integridade física e a dispor do seu corpo (PEREIRA, 2004, p. 137-138).
Roberto (2006, p. 95) também considera o documento um ato jurídico em sentido estrito, pois, diferentemente do negócio jurídico não gera direitos para a outra parte. Sendo assim, ressalta o autor: “Se o paciente revogar o consentimento, nenhum direito terá o profissional de saúde quanto ao ato jurídico, tão-somente quanto ao contrato de prestação de serviços, que, mesmo rescindido unilateralmente pelo paciente, gera o direito do fornecedor de cobrar os honorários devidos.”
Dados históricos relevantes
Independente de ser constatada divulgação isolada de sentença condenatória por falta de informação no século XVII, na Inglaterra: Slater frente a Baker Versus Stapleton, foi nos EE.UU. onde mais se desenvolveu esta questão, inicialmente no século XIX: Carpenter Versus Blake e Wells Versus World's Dispensary Medical Association, embora apenas no princípio do século XX se tenha falado de autodeterminação num caso histórico.
No âmbito da contenda, a prática médica sugere como regra norteadora a procura do bem, desejando a proteção e bem-estar do paciente. A este respeito, provoca as mentes inquietas o reverberar de Moore (1971, p. 3-5): “O que é bom? O que é mau? Dou nome de ética à discussão dessa questão” e “a pergunta sobre como deve definir-se ‘bom’ é a questão mais importante de toda a ética.”
Cabe ressaltar que Hipócrates já ensinava a prática do bonum facere (fazer o bem) associada ao primum non nocere (nunca fazer o mal), com o escopo de promover a Justiça. A atitude hipocrática e a autoridade de Esculápio, mais moral do que jurídica, consideravam o paciente como um sujeito incapaz de tomar decisões autônomas. Esta lacuna no Juramento de Hipócrates ocorre, de acordo com Muñoz e Fortes, porque “[...] o Juramento espelha a moral médica no apogeu do período clássico da cultura grega na Antiguidade (final do século V e século IV a.C.), tendo sido feito por médicos e para médicos.”
São os princípios referidos por Hipócrates consagrados universalmente sob a denominação de beneficência, não-maleficência e justiça, aos quais, somente na atualidade, junta-se o então decantado princípio da autonomia, que constitui o elo da pessoa humana com o valor mais abrangente da sua dignidade: a própria liberdade que lhe deve ser resguardada.
O princípio da autonomia autoriza ao paciente tomar suas próprias decisões, justificando o atuar do profissional ao estabelecer a regra geral de que toda intervenção médica não prescinde do consentimento prévio e informado do paciente.
A este respeito, Mill (1952, v. 43, p. 273) escreveu apropriadamente: "Não é livre nenhuma sociedade em que tais liberdades não são, como um todo, respeitadas, seja qual for a sua forma de governo [...] Cada qual é o guardião correto de sua própria saúde, seja ela física, seja mental, seja espiritual. A humanidade é que mais lucra ao permitir que cada um viva como bem lhe parecer, em vez de compelir cada pessoa a viver como parece ser bom para os demais." Portanto, dois são os pressupostos a legitimar a intervenção médica: que se leve a termo de acordo com as regras da lex artis e que seja consentida pelo paciente.
O que é a Lex artis?
Lex artis - lei da arte - é o conjunto de regras técnicas ou procedimentos aplicáveis a casos típicos ou semelhantes que socorrem o profissional da medicina, quando analisado o cuidado objetivo a ser observado no desempenho do seu labor. Consiste no critério chave para determinar a existência ou não da responsabilidade médica, situando-se no centro argumental e probatório dos juízos de responsabilidade médica investigar se houve ou não seu cumprimento.
O conceito de lex artis, não sendo recente é, todavia, de uso contemporâneo, utilizado insistentemente dentro do contexto da responsabilidade do profissional. Refere-se à execução do ato médico no marco dos critérios e procedimentos admitidos em um determinado tempo e lugar, numa situação historicamente concreta. Não se trata, contudo, salienta Rodríguez Almada (2001, p. 19), de valorar como deveria atuar o melhor médico em condições ideais, nem se deseja um ato médico correspondente ao propugnado por escola majoritária.
No conceito de lex artis, é cada vez mais saliente a impregnação de componentes éticos e indissolúveis da ideia de uma boa relação médico-paciente, não bastando o cumprimento dos aspectos estritamente técnicos do ato médico. Assim, um procedimento cirúrgico de coordenação corretamente indicado, oportuna e tecnicamente bem executado, não se ajustará à lex artis se o profissional não cumprir com o dever da informação, incluíndo riscos, alternativas terapêuticas, entre outras (GARCÍA DE LA SERRANA, 2004). Tampouco se poderá alegar que seja a atuação do médico de acordo com a lex artis, se não registrou adequadamente o procedimento na história clínica ou se infringiu o princípio ético e jurídico da confidencialidade.
A lex artis constitui-se, portanto, em critério valorativo da correção do concreto ato médico executado pelo profissional da Medicina – Ciência ou Arte Médica. Este juízo crítico considera as especiais características do seu autor, da profissão, da complexidade e transcendência vital do ato, e, neste caso, da influência de outros fatores endógenos, para qualificar o ato médico conforme ou não à técnica normalmente requerida.
Direitos, deveres e responsabilidades decorrentes
Se nos tempos passados impunha-se ao médico somente a obrigação de informar ao paciente o nome da enfermidade e uma descrição superficial da sua natureza, não se pronunciando sobre seu grau de compreensão acerca da informação que lhe era fornecida, após a Segunda Guerra Mundial a situação evolui e o consentimento informado culmina em exigência para levar a termo a atividade médica, esta baseada numa percepção ética que distingue e estabelece a dignidade da pessoa humana como pressuposto da sua autonomia moral e, portanto, da sua liberdade ou princípio de autonomia frente ao médico.
Preleciona Vargas (2002, p. 4) que, do ponto de vista da relação médico paciente, o consentimento informado representa “[...] um direito inalienável para o paciente e um dever inescusável para o médico”. Corrobora a Associação Médica Americana, ao reconhecer o paciente como “[...] o árbitro final quanto a se correrá os riscos envolvidos no tratamento ou na operação recomendados pelo médico, ou se arriscará a viver sem isso. Este é o direito natural do indivíduo, que a lei reconhece.” Ao mesmo refrão, o Papa João Paulo II (1982, p. A9) salienta que obrigar alguém a violar sua consciência “[...] é o golpe mais doloroso infligido à dignidade humana. Em certo sentido, é pior do que infligir a morte física, ou matar.” Inegável, portanto, a necessidade da sua obtenção.
Fazendo coro a tão fortes e contundentes assertivas, arrisca-se dizer que a inobservância do consentimento informado imputa ao médico, unilateralmente, a responsabilidade por quaisquer riscos próprios da intervenção, mesmo que não tenha havido culpa na produção do dano. Mister salientar que o consentimento informado não se apraz à conduta negligente.
O desrespeito à autonomia representa uma violação aos direitos do paciente, configurando hipótese de constrangimento ilegal previsto no caput do artigo 146 do Código Penal nacional, a não ser que esta intervenção esteja justificada por iminente perigo de vida, conforme indica o inciso I, parágrafo 3º, do mesmo dispositivo legal, ou ainda, se a coação é exercida para impedir o suicídio.
Curvar-se à autonomia do paciente que se recusa a receber um tratamento vital motivado nas próprias convicções religiosas incita o temor do profissional médico com relação às possíveis acusações de auxílio ao suicídio ou de omissão de socorro, previstos no Código Penal brasileiro, nos artigos 122 e 135, respectivamente. Estes dispositivos fundamentam o pensamento daqueles que aceitam a existência de imposição legal e dever moral para o médico intervir através do processo terapêutico para salvar uma vida, quando em iminente perigo. Porém, cabe ressaltar, a questão não é tão simples que se possa conter nos dispositivos do diploma penal. Novos valores afloram e o direito à vida, embora altaneiro, já não mais prossegue solitário, independente e superior a todos os demais direitos.
Considerações finais
Suaviza-se o encerramento deste breve artigo científico resgatando, nas palavras de Galvão (2000, p. 134), o desejo de todos aqueles que num momento de infelicidade ultrapassam as portas dos hospitais, não apenas à procura da tecnologia mais apropriada ao seu caso, mas na esperança de encontrar um profissional humano com o qual possam entabular uma relação de confiança, respeito e atenção: “Quando estiver agonizando, próximo a deixar esta breve passagem pela Terra, gostaria de ter ao meu lado um médico, que dominasse toda a tecnologia médica possível, porém que fosse capaz de dar-me um forte abraço de despedida.”
Referências
GALVÃO, Paulo Bezerra de Araújo. Tecnologia e medicina: imagens médicas e a relação médico-paciente. Bioética, Brasília, DF, v. 8, n. 1, p. 134, 2000.
GARCÍA DE LA SERRANA, Javier López y. El consentimiento informado y la responsabilidad civil medica. Asociación Española de Abogados Especializados en Responsabilidad Civil y Seguro, Málaga. Disponível em: Nota 7. Acesso em: 31 ago. 2004.
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
MILL, John Stuart. On liberty. In: ADLER, M. J. (Ed.). Great books of the western world. Chicago: Encyclopaedia Britannica, 1952. v. 43.
MOORE, George Edward. Principia ethica. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.
PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Coimbra: Coimbra, 2004. (Publicações do Centro de Direito Biomédico, 9).
POPE denounces Polish crackdown. New York Times, New York, 11 jan. 1982, p. A9.
ROBERTO, Luciana Mendes Pereira. Responsabilidade civil do profissional de saúde & consentimento informado. 2. tir. Curitiba: Juruá, 2006.
RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o acto médico no ordenamento jurídico português: elementos para o estudo da manifestação da vontade do paciente. Coimbra: Coimbra, 2001.
RODRÍGUEZ ALMADA, Hugo. Los aspectos críticos de la responsabilidad médica y su prevención. Revista Médica do Uruguay, Montevideo-Uruguay, v. 17, n. 1, p. 18, abr. 2001.
VARGAS, Victor. Consentimiento informado y relación médico paciente. Revista Hospital Clínico Universidad de Chile, Santiago, v. 13, n. 1, p. 4, 2002.