Dois de dezembro de 1951, 1h46. Nasci. Em casa, parto normal, com 5,250kg distribuídos em 56cm. Cabelos negros e olhos azuis. Enxoval azul.
Irrefutável! Gerada a partir de um olhar e de beijos transparentes. Mãos se tocaram, corpos se enroscaram e sexos se uniram. Era parte daquele tronco que escorrera leite para dentro de uma flor, da qual também provinha. Elo em Lei Universal, causa e efeito.
- "Tem crianças novas aí?" - perguntou, a esfregar os olhinhos, a irmã pequenina.
- "Sim. É uma menininha!" - responderam os meus pais.
- "Ahnn!... A cegonha errou!..."
Ao pensamento da bela loirinha de cabelos encaracolados caídos sobre o rostinho sonolento, o meu nascimento era um grande erro. Mas, não foi essa a impressão de mamãe e papai. Esse, dias antes, sonhara um sonho diferente. Meu rosto perfazia-se no miolo de uma linda flor. Então, avisou a todos que o neném ao ventre de mamãe era uma menina e não um menino como esperavam. Noites depois, outro sonho. Dessa vez, visualizou uma jovem ornada por um vestido dourado, que caminhava princesa altiva no alto de uma montanha. Relatava papai que encantado pela beleza quase uníssona ao infinito, cobiçava ver-lhe o rosto. Ansioso, aproximava-se atento a cada movimento elegante daquele pisar. Mas, o faiscar da desconhecida aparição ofuscava-lhe os sensíveis olhos azuis. Então, em um golpe de piedade, a quase-deusa olhou-o de frente e aquele fatal olhar demarcou um eterno amor. Quando crescida, ouvia-o contar que reconhecia em mim o rosto encantador do sonho. Coisas de pai apaixonado.
Mamãe descrevia meu nascimento com inigualável beleza: - "No momento em que você veio ao mundo, uma revoada de pombos saiu pela janela. Foi um barulho de asas plá plá plá plá plá e uma alegria indescritível apoderou-se de mim... impossível explicar o que senti!"
Ah! Quanta inveja sentia daquela tal alegria! Bem mais tarde, ao primeiro vagido de cada filho que trazia ao mundo, vivenciei o milagre, sempre o mesmo. Sempre, inexplicável.