Textos



Amor virtual
Sedução [que voz!]
Tudo iniciou no mundo virtual. Março de 1996. Descobriu-a neófita em coisas da Internet e chegou de mansinho, ensinando-a, pouco a pouco. Ganhou-lhe a confiança, em primeiro lugar, porque nunca perguntou sua idade, o que não acontecia com os demais internautas, que, mal se dirigiam a alguém, lançavam logo a pergunta: - “QT anos vc tem?” Sendo a resposta mais de 25, nem existiriam despedidas. Quando muito, um simples: - “OK” e um silêncio sorumbático do outro lado.

Algumas semanas depois, porque talvez ardessem de curiosidade, mais ela do que ele, a mulher escreveu: - “44”. O homem teclou: - “43”. A conversa virtual prosseguiu, com uma internauta medrosa de perder mais um possível amigo virtual em razão dos anos corridos nas veias. O que o tempo comprovou, jamais ocorreria.

Foi assim que Flor Morena conheceu Gengis Khan. Aliás, nomes criados pela fantasia dos dois. Elegeu-a Flor Morena, porque meses após o primeiro encontro virtual, anunciou-se ela morena de olhos negros. Elegeu-o Gengis Khan porque, aquele atrevido ousara enviar-lhe uma foto, sem que fosse pedida, de cabelos compridos amarrados atrás, num rabo de cavalo, o que foi suficiente para estimular-lhe a fértil imaginação, que associou aquela imagem à lembrança de homens misteriosos perdidos num deserto.

Gengis Khan desconhecia a imagem de Flor Morena, enquanto esta passou a ter como ponto de referência a foto de família. Sim, porque o internauta, até então desconhecido, tratou de apresentar-se como mandam as regras do bom e respeitável homem: enviou-lhe uma foto onde aparecia com o primeiro neto ao colo.

À época, Flor Morena estava casada; Gengis Khan, descasado. Em pouco tempo, pequenos detalhes de um malfadado casamento deixaram-se escapar por entre as linhas femininas digitadas e apagadas e digitadas de novo. Também, os problemas com a ex-mulher afloravam pouco a pouco. Tênues reclamações, somente para justificar o fato de uma mulher casada conversar com um homem descasado, pela madrugada afora, enquanto o marido dormia, pensando-a somente envolvida com diversões inocentes. A relação marido e mulher da internauta medrosa transformara-se em forte dependência um do outro, com entremeados de violência, cabendo a Gengis Khan suprir aqueles momentos de tristeza e o escolhido bem soube fazê-lo.

No primeiro chat particular, a convite dele, sentiu-se Flor Morena entrando num motel. O corpo estremeceu da cabeça aos pés, um suor nervoso umedeceu as mãos, o coração ritmou quente e forte no pescoço e, entre as pernas, o sexo chorou... Medo e excitação. Ternura e fogo. Sua primeira vez... Como adolescentes, os dois. As primeiras palavras, embora tecladas em silêncio, soaram mais altas do que um primeiro roçar de peles. Sensualidade, nada mais.

Um salto no tempo revela, que, depois de cinco anos, a partir do primeiro encontro virtual, a doce morena ainda se mantinha presa ao "falso casamento", mas, prestes a superá-lo. Enquanto isso, o imaginado homem do deserto, que se apresentara descasado à época, casara-se novamente. Desencontro. Desencontro insuficiente para amainar os iniciais jogos de sedução virtual. Na primeira escuta de voz ao telefone, então, quem se impressionou mais com a voz de quem, impossível dizer! Ele: - “Parece uma menina!” Ela: - “Que voz bonita!” E, aquelas vozes que se atraíam, começaram a se ouvir com mais continuidade. Primeiro encontro marcado e desfeito. Mais outro... e nada! Flor Morena fugia, sempre.

Certo dia, o pacífico Gengis Khan enviou-lhe outra foto, dessa vez com os ombros desnudos. Flor emudeceu. Silêncio mortalmente barulheiro. Nem um comentário ao menos, por medo de se perder aos efeitos daquela quase nudez, que, aliás, naquele momento, devido aos desejos insatisfeitos, surtia o efeito de nudez total.

À noite, na cama, o marido dormiu displicente, alheio à veleidade toda. Ao seu lado, Flor Morena - uma mulher em fogo - buscando-se em si mesma, num silêncio desesperador, quase incontido.

 


Cabo Frio, 9 de julho de 2009
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 06/06/2010
Alterado em 07/07/2024
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