Textos


Eu e meu irmão Geraldo Luiz estamos na primeira fileira,
bem ao centro, abraçando por trás nossos irmãozinhos Miguel e Nancy


Eu e "O pássaro cativo" de Olavo Bilac

Quando contava seis anos de idade, minha mamãe, professora primária, foi "escolher cadeira" num recanto de Cunha, interior de São Paulo. O local era uma roça. Roça, mesmo. Lá, permanecemos por alguns meses.

Para a mamãe, imagino hoje, quanto trabalho!

A água era fervida por diversas vezes, lembro-me bem. Depois, era passada por um pano branco, muito branco, que ficava avermelhado... Então, voltava ao fogo. A seguir, mais uma vez, passada por outro pano branco. Não me lembro por quantas vezes se repetia o processo. Sei apenas, que eram muitos os cuidados. Finalmente, era colocada num filtro de barro, de onde saía límpida e geladinha, ao natural... Trabalho de amor intenso, para cinco filhos de sangue, mais dois de coração.

O pão chegava quentinho, todas as manhãs, a cavalo. Papai, que ficara em Piquete, nossa cidade natal, em razão do trabalho e dos estudos, cuidou de que nada nos faltasse. Visitava-nos, se não me engano, de 15 em 15 dias.

Nós, as crianças, tivemos a época mais rica para nossa imaginação. Talvez sejamos todos poetas em razão daquela temporada, a brincar pelos montes e estradas, numa "liberdade limitada" por mãe cuidadosa, a vigiar-nos dias e noites. Mas, dentro daqueles limites, conseguimos ser totalmente livres, em particular, quanto à criatividade.

Mamãe organizava festas maravilhosas para aquela gente tão simples! Uma delas, a maior e mais bela, ocorreu naquele 7 de setembro de 1958. Quantas guloseimas deliciosas saíram das suas mãos de fada em conluio com a esposa do fazendeiro, proprietário da casa na qual morávamos! Luiza também contribuiu em muito para o sucesso da festa. Fartura! Beleza! Sonho, para quem não os possuía...

Mamãe e papai sempre foram assim. Humanistas, preocupavam-se em proporcionar aos seres humanos com os quais conviviam, um pouco de alegria. Não eram ricos. Ao contrário, lutavam com muita dificuldade. Mas, nada nos faltou, nunca! Desse evento, restaram poucas fotos, que ilustram este texto.

Interessa contar é que naquela festa, pela primeira vez, declamei um poema. Mamãe escolheu "O Pássaro Cativo", de Olavo Bilac e, sob seus ensinamentos, fiz bonito! Quanta emoção imprimi à minha voz, ao pedir que a criança abrisse a porta da prisão, que prendia o pássaro! Lembro-me, como se hoje fosse... Alma apaixonada, voz tremente e o pequenino corpo a vibrar com intensidade...
 

Em decorrência, NUNCA prendi um só passarinho e nem permiti que meus filhos o fizessem. Até hoje, lamento-os presos em gaiolas. A paixão dos meus queridos pais pela natureza, eu a absorvi, por inteiro. Saudades... Ah! Quantas saudades daqueles dias de amor e pureza!
Hoje, pela madrugada, entre aborrecida e surpresa, recebo uma mensagem com o seguinte título: "Plagiado, poema de Olavo Bilac fica em 35º lugar em concurso de Jundiaí."

Qual o poema? - "O pássaro cativo"!

Senti-me muito aborrecida, pelo carinho que sempre cultivei por este poema e surpresa em assistir a falta de cultura poética que assola nossa população. No caso, que tristeza! Olavo Bilac - o Príncipe dos Poetas Brasileiros é classificado em 35º lugar num concurso de poesias no qual NINGUÉM (pessoas escolhidas para fazer parte de uma Comissão Julgadora) reconheceu seu talento, então diluído na falcatrua de um candidato. Lamentável! E não é a primeira vez que isso ocorre.
 
Abaixo, a matéria que divulga a "burla poética"
 Plagiado, poema de Bilac fica em 35º lugar em concurso de Jundiaí
 
“O Pássaro Cativo”, conhecido poema de Olavo Bilac - jornalista carioca nascido em 1865 e membro fundador da Academia Brasileira de Letras - foi classificado em 35º lugar no Concurso de Poesia realizado pela Associação Preservação da Memória da Companhia Paulista, de Jundiaí.
 
O poema foi enviado por um dos participantes, que assinou com pseudônimo, conforme exigia o regulamento. Após a classificação de 50 poemas e publicação em revista, a falha da organização foi percebida. “A primeira edição do concurso foi decepcionante.
 
Ficamos frustrados e não vamos mais realizar uma próxima edição no ano que vem em função do que ocorreu, mas não desmerecemos os outros classificados. Infelizmente só percebemos que era o poema de Olavo Bilac quando a revista já estava impressa”, lamenta o presidente da associação, Eusébio Pereira dos Santos. De acordo com a escritora Júlia Fernandes Heimann, que participou da comissão julgadora do concurso ao lado das poetisas Valquíria Gesqui Malagoli e Renata Iacovino, o texto passou despercebido entre outros 96 recebidos pela associação. “Fizemos um documento assim que percebemos o equívoco e o participante não recebeu o prêmio.
 
Isso acontece em alguns concursos; não é inédito, pois já recebemos poemas de Vinícius de Moraes, por exemplo. A gente nunca imagina que uma pessoa pode ter uma atitude dessa e também não temos um computador na cabeça pra lembrar dos poemas de autores conhecidos. O concurso exigia apenas poesias inéditas, com temática livre”, justifica a escritora.
 
Mensagem enviada por:
De: daspet@uol.com.br
Data: 25/05/2010 23:32:54
Para: GrupoLuna&Amigos; POETASDELMUNDOBRASIL; MENSAGENS_LUNA&AMIGOS
Assunto: [PoetasdelMundo_Brasil] Olavo Bilac plagiado
Eis o belo poema:
 
O Pássaro Cativo
 
Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
 
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?
 
É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
 
“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
Quero voar! voar!...”
 
Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...
 
BILAC, Olavo. O pássaro cativo. In: Poesias infantis, Ed. Francisco Alves, 1929, RJ
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Cabo Frio, 26 de maio de 2010 - quarta-feira - madrugada
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 19/01/2014
Alterado em 03/08/2016
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